Ética, Ordem e Disciplina: A Pedagogia do Conflito e o Combate à Ilusão Cívico-Militar


Ética, ordem e disciplina são elementos de cultura que possuem origens distintas. A ética nasce da interioridade, da consciência crítica e do desejo humano de justiça. A ordem, enquanto princípio, surge da necessidade de coesão social — nem sempre justa, mas funcional. A disciplina, por sua vez, tem raízes no adestramento, seja militar, monástico ou escolar, configurando-se como ferramenta de moldagem comportamental.

Tomados em sua complexidade, esses três vetores não são necessariamente complementares. Quando subordinados a um projeto autoritário, entram em choque. A ética, que pressupõe liberdade e pensamento, colide com a disciplina cega. A ordem, quando erigida como valor absoluto, tende a sufocar a crítica. A disciplina, se não mediada pela pedagogia, torna-se punição.

É exatamente nesta contradição que floresce o equívoco das escolas cívico-militares.

Defendidas como solução para a “crise educacional”, essas escolas prometem disciplina como remédio para a desordem, hierarquia como resposta à indisciplina e autoridade militar como substituta da autoridade pedagógica perdida. Mas esse modelo nasce da confusão entre autoridade e autoritarismo, entre educação e adestramento, entre respeito e medo.

Nos países em desenvolvimento, onde a democracia é ainda imperfeita e a pobreza estrutural condiciona o acesso à cultura, a educação deveria ser instrumento de emancipação. Contudo, o que vemos é a imposição de um modelo regressivo, que transfere ao aluno a culpa pelo fracasso de um sistema público degradado — um sistema que abandonou professores, desfez vínculos comunitários e cedeu terreno à violência simbólica e física.

A verdade é que muitos professores perderam a mão não por incompetência, mas por abandono. Perderam a voz porque foram silenciados. A precarização do trabalho docente, o esvaziamento curricular, a ausência de infraestrutura e a falta de projeto pedagógico transformaram muitas escolas em zonas de sobrevivência, onde os ciclos formativos não se completam e a aprendizagem se torna fragmentada.

E o que faz o Estado de São Paulo? Em vez de reinvestir na escola pública como espaço de cultura, ciência, arte e cidadania, militariza o fracasso.

Ao colocar militares no lugar de pedagogos, o Estado abdica do seu dever educativo. Ao impor uniformes rígidos, hinos e regras de conduta, não forma cidadãos — forma submissos. Ao substituir o conflito pedagógico pelo castigo disciplinar, não educa — reprime. Ao reduzir a escola a um quartel, transforma o futuro num campo de contenção.

Mas a educação é, por essência, um espaço de contradição fecunda. Onde há dúvida, há aprendizagem. Onde há conflito, há transformação. Onde há liberdade, há pensamento. E o pensamento é, talvez, a única disciplina verdadeiramente emancipadora.

Portanto, combater o modelo cívico-militar é mais do que uma escolha política — é um imperativo ético. É afirmar que a escola deve formar sujeitos críticos, e não soldados obedientes. É defender que a ordem justa só pode brotar da ética viva, e não da repressão burocrática. E que a disciplina deve estar a serviço da liberdade, e não do medo.


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