Como a linguagem, a filosofia e a luta nos trouxeram até a Inteligência Artificial
Hoje, muita gente se pergunta como funciona o ChatGPT, de onde vem essa “inteligência” que responde perguntas, escreve textos, debate com estilo e até simula emoção. Mas poucas se perguntam: o que aconteceu na história do pensamento humano para que uma máquina pudesse operar com linguagem?
A inteligência artificial que
hoje nos fascina — ou ameaça — não nasceu de um truque técnico. Ela é o fruto
de uma longa caminhada de perguntas, contradições e disputas sobre o que
significa falar, compreender, ensinar, traduzir, nomear.
Este texto é um convite para
voltar algumas casas no tabuleiro da história — e entender como chegamos até
aqui.
Quando tudo era palavra
Lá na Grécia Antiga, muito antes
de haver eletricidade, Platão já se perguntava se as palavras capturavam a
verdade das coisas. Para ele, os nomes eram sombras das ideias eternas.
Aristóteles, por sua vez, foi mais prático: organizou a lógica com sujeito,
predicado, categorias.
Ele não sabia, mas estava
plantando a semente da lógica computacional — que séculos depois viraria
linguagem de máquina.
Traduzir é disputar mundos
Durante a Idade Média, o mundo
árabe, judeu e cristão se encontrava em escolas de tradução. Mais do que trocar
palavras, traduzir era tentar construir pontes entre cosmologias, crenças,
modos de ver o real.
Foi nesse espírito que surgiram
as primeiras ideias de gramáticas universais — tentativas de organizar todos os
saberes humanos sob uma mesma régua.
Do pensamento à fórmula
Já na modernidade, Descartes, Leibniz
e os iluministas queriam uma linguagem “clara e distinta”. Queriam separar
emoção e razão, criar sistemas perfeitos, controlar o saber.
Leibniz chegou a sonhar com uma
“língua filosófica” que permitiria resolver conflitos sem guerra — só com
cálculo. Foi aí que a linguagem começou a ser pensada como código, fórmula,
algoritmo.
Quando o mundo virou máquina
No século XIX, matemáticos como Boole,
Frege e depois Turing criam a lógica formal moderna — que mais tarde daria
origem à programação computacional.
A ideia? Se você pode escrever o
mundo como um conjunto de símbolos bem organizados, você pode ensinar uma
máquina a pensar. Ou quase.
Vem ai a linguagem como
estrutura... ou como vida?
No século XX, surgem duas grandes
visões:
- A
dos estruturalistas, como Chomsky, que acreditam que existe uma gramática
universal dentro de cada ser humano.
- E
a dos pragmáticos, como Wittgenstein ou Bakhtin, que dizem que linguagem é
prática social, é contexto, é uso.
Enquanto alguns queriam
automatizar o idioma, outros lembravam que ninguém fala no vácuo.
A máquina começa a aprender
A IA nasce nos anos 1950 com
grandes promessas: traduzir idiomas, conversar com humanos, substituir
professores. Mas os fracassos vieram logo. A linguagem era mais complexa que o
previsto.
Nos anos 1990, surge a virada: ao
invés de ensinar a máquina com regras, passamos a ensinar com exemplos. Entram
em cena os métodos estatísticos, os grandes bancos de dados, os algoritmos de
predição.
A máquina não entende o que diz.
Mas aprende padrões. E repete com fluidez.
Quando a IA aprendeu a falar
“naturalmente”
Em 2017, o Google lança o paper Attention
is All You Need, e nasce o modelo Transformer. Ele consegue ler milhares de
palavras, associar sentidos e prever com precisão o que vem depois.
É o DNA do ChatGPT.
Não é mágica. É estatística,
escala, dados e contexto. Mas também é filosofia — empacotada em código.
E agora, quem nomeia o mundo?
Chegamos a um ponto crítico:
máquinas falam. Mas quem ensinou essas máquinas a falar? Que textos elas leram?
Que vozes elas ignoraram? Que corpos elas não reconhecem?
Estamos diante de um espelho
escuro: uma IA treinada com o mundo que já existia — desigual, racista,
machista, colonial.
Por isso, compreender a história
que nos trouxe até aqui é também um ato de resistência.
Construir nossa própria IA é mais
do que técnica. É soberania simbólica.
Não queremos competir com a Big
Tech. Queremos entender para intervir. Aprender para transformar. Programar
para libertar.
Cada linha de código carrega uma
escolha. Cada modelo de linguagem carrega uma visão de mundo.
Se vamos continuar usando IA, que seja com consciência.
Se vamos construir as nossas, que
seja com ética, com afeto, com chão.
Porque quem nomeia o mundo, molda
o mundo. E a linguagem, agora mais do que nunca, é um território a ser
retomado.
Tem luta!
Sigamos!
Comentários