Postagens

Mostrando postagens de abril 4, 2025

IRA! — Quando a resistência pega o microfone

Imagem
Quando a resistência é feita por uma banda como o Ira! , tudo muda de figura. Muda a amplitude da mensagem, quebra muros entre bolhas que não se falavam, conecta o grito da periferia com os ouvidos do centro, e reverbera nos becos, nas universidades e até nos púlpitos. Não é só rock. É o plebeu falando alto com guitarra distorcida. É a dor e o sonho da cidade traduzidos em versos como "Envelheço na Cidade" ou "Dias de Luta". E quando isso acontece, o povo se sente representado. O plebeu com sua irreverência e rebeldia se vê nas letras, mas também se percebe parte de algo maior — algo que as filosofias críticas, as ciências sociais e as teologias da libertação sempre buscaram: dar nome ao sofrimento e transformar a realidade. Formada em 1981, em plena ditadura de transição, o Ira! surge como resposta estética e política à pasmaceira cultural e ao autoritarismo. Com raízes no punk e no rock nacional, a banda se tornou um dos maiores símbolos do inconformismo musi...

Feliz dia, Eliane Lourenço – uma travessia em quatro tempos

Imagem
Na esquina da rua 12 com a viela do campo desativado, Seu Zé aquece o rango no isopor. Macarrão com salsicha. Diz que aprendeu com o tempo que revolução também é estômago cheio. Ao lado dele, a TV do bar em volume alto fala do fim do mundo: inflação, golpe no país vizinho, ministro falando grosso com o povo. Mas ninguém ali desliga o som. Porque o mundo, pra quem sobrevive com vale-transporte vencido e fé torta, já se esfarela todo dia — só muda o narrador. "Essa gente aí nunca comeu marmita fria", comenta Seu Zé, apontando pra tela. "Maria Antonieta de hoje não é mais rainha, é influenciadora. E continua achando que a gente quer brioche." A risada que explode no boteco é mistura de amargura e ironia. Mas é ali, entre um gole de café preto e outro de esperança velha, que se forma a síntese da nossa conjuntura: o Brasil de 2025 é um país em disputa entre a estética da elite gourmet e a ética da marmita resistente. Enquanto isso, a esquerda — aquela que um dia c...

Nota de Conjuntura do Plebeu | Abril de 2025

Imagem
Entre Maria Antonieta e Gorender: a esquerda em crise de enraizamento A recente entrevista da ex-deputada Manuela d’Ávila à Folha de S.Paulo provocou um incômodo necessário no campo da esquerda. Ao afirmar que "a esquerda está isolada" e que "a dificuldade nas ruas é evidente e óbvia", Manuela dá corpo a um sentimento vivido por amplos setores militantes: a percepção de que, enquanto a extrema direita ocupa o imaginário popular com narrativas simples (ainda que mentirosas), a esquerda institucionalizada se mostra distante, ritualizada e paralisada. Essa percepção não é apenas fruto de análise racional. É uma experiência vivida de fratura — entre base e direção, entre representação política e vida cotidiana, entre o que se diz e o que se pratica.  Pela lente fenomenológica, essa crise se revela como um descompasso existencial: a esquerda já não se reconhece nas ruas, e as ruas, cada vez mais, não reconhecem a esquerda. A metáfora de Maria Antonieta, evocada por Ma...