Da Alienação à Produção: A Tecnologia como Ferramenta de Emancipação Popular
Em meio ao emaranhado de fios invisíveis que nos conectam, pulsa uma oportunidade histórica: transformar a relação que temos com a tecnologia. O celular que carregamos no bolso é, na essência, um computador. Um capital concentrado e, ao mesmo tempo, pulverizado, acessível a quase todas e todos.
Porém, este acesso, que poderia
ser libertador, muitas vezes nos aprisiona em um papel de meros consumidores:
clicamos, compartilhamos, consumimos... mas não compreendemos. Não produzimos.
Da mesma forma que os
medicamentos industrializados nos afastam dos saberes tradicionais sobre o uso
das plantas, a tecnologia moderna tende a ser apresentada como uma caixa
preta, inacessível e intocável. Mas há caminhos para romper esse cerco.
Assim como é possível substituir o omeprazol pela espinheira-santa, ou a dipirona pelo mil-folhas, podemos substituir a visão fetichizada do hardware — como um aparato inalcançável — por uma compreensão aberta: saber que um processador, uma memória, um circuito lógico podem ser compreendidos, montados e programados.
E o mesmo vale para o software:
não precisamos nos limitar ao consumo passivo de aplicativos, plataformas e
sistemas fechados. O conhecimento sobre programação, sobre algoritmos,
sobre sistemas abertos, é o equivalente tecnológico do saber ancestral:
partilhado, comunitário, vivo.
O movimento que propomos é,
portanto, múltiplo: assim como recuperamos as plantas medicinais e os saberes
populares para a saúde, podemos recuperar as linguagens, as arquiteturas
e os sistemas abertos para a nossa autonomia tecnológica. O
celular ou o micro computador não são caixinhas do demônio como estigmatizam alguns.
São ferramentas que podem e devem ser utilizadas.
A cada deslizar de dedo pela
tela, realizamos operações que, há poucos anos, eram exclusivas de grandes
máquinas calculadoras, trancadas em laboratórios ou centros militares. Hoje, a
juventude das periferias, com seus celulares, processa informações em segundos,
numa escala que faria um jovem da Atenas clássica levar anos para realizar.
Entretanto, essa potência
permanece, em grande medida, alienada. Somos ensinados a usar, mas não a
compreender. A consumir, mas não a criar. A depender, mas não a transformar.
Mas o que aconteceria se fôssemos
além? Se deixássemos de ser apenas proletários consumidores para nos
tornarmos proletários produtores de tecnologia?
A resposta está em democratizar o
conhecimento sobre o funcionamento das tecnologias que já usamos. Entender como
funciona uma memória de computador, o que é um núcleo de processamento, como as
máquinas calculam, armazenam e transmitem dados. Esta não é uma curiosidade
técnica, mas uma questão política, social e existencial.
Assim como um dia aprender a ler
e escrever foi um ato revolucionário, hoje, aprender a programar, compreender
arquiteturas computacionais, criar tecnologias, é um ato de emancipação.
O que parecia impossível há
algumas décadas hoje é não só possível, mas necessário. Arquiteturas
computacionais ultra simples, como o Subleq — um computador que funciona
com apenas uma instrução — mostram que a complexidade não é uma barreira
instransponível. Ao contrário: pode ser desvelada, ensinada, popularizada.
E se levássemos este conhecimento
para as escolas das periferias? Para os coletivos culturais? Para
as ocupações urbanas? E se transformássemos os celulares, antes janelas
para o consumo passivo, em ferramentas de produção ativa de saber, de
cultura, de código, de resistência?
A tecnologia pode ser a nova alfabetização
das periferias. Não como ferramenta de dominação, mas como instrumento
de autonomia.
Estamos diante de uma
encruzilhada histórica: ou aprofundamos o modelo que cria usuários sem
consciência, ou apostamos na construção de sujeitos tecnológicos livres,
críticos, criadores.
Que cada jovem da quebrada saiba:
o celular em sua mão é um computador. E o computador é uma máquina que
pode ser compreendida, desafiada, recriada. Que cada mãe,
trabalhador, artista, ativista saiba: o saber tecnológico não pertence apenas
às universidades ou às grandes corporações. É um direito. É uma necessidade.
É uma arma.
Nos cabe agora construir os
caminhos pedagógicos, políticos e sociais para realizar essa transformação.
Não será fácil. Mas é possível. E, mais do que possível, é urgente.
Se outrora a alfabetização foi o
primeiro passo para conquistar a cidadania, hoje a alfabetização digital
crítica é o caminho para conquistar a soberania.
O futuro não se espera. Se
constrói. E ele começa aqui, agora, com cada um de nós.
Tem luta!
Sigamos!!
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