O Aprendizado Fraturado da Humanidade
Há épocas em que a humanidade parece subir uma ladeira, lenta mas constante, levando nas costas a promessa de que o saber se acumula e se expande como o curso natural de um rio. Essa foi, por muito tempo, a fé oculta de quem acreditou no progresso, na ciência, na pedagogia: cada geração herdaria o fogo e acrescentaria sua centelha, até que, um dia, todos veriam a luz.
Mas
estamos numa época diferente. Aqui, o rio se partiu em mil afluentes que não
convergem; aqui, a ladeira virou abismo. O aprendizado da humanidade, que
parecia linha ascendente, mostra-se fraturado, estilhaçado em contradições
profundas.
De um
lado, criamos inteligências artificiais que traduzem em segundos o que antes
exigia vidas inteiras de estudo. Do outro, multiplicam-se os que acreditam que
a Terra é plana, que vacinas matam, que ditaduras são saudáveis. O século XXI
é, ao mesmo tempo, o da biotecnologia sofisticada e da superstição primitiva.
O
fascismo, que parecia ter sido derrotado pela memória dos campos de
concentração, volta a marchar nas ruas com ares de novidade. Os
fundamentalismos, que se imaginava cedendo à convivência plural, dominam
corações inteiros, sequestrando a capacidade de imaginar mundos diferentes. O
mercado, antes visto como esfera econômica, tornou-se religião: tudo pode ser
precificado, até a dignidade e a esperança.
O
resultado é uma aprendizagem que não é apenas lenta: é regressiva, enviesada,
manipulada. A humanidade aprende e desaprende ao mesmo tempo. Avança no
microscópio e retrocede no pensamento coletivo. Lança sondas a Marte e, aqui na
Terra, prende-se em bolhas digitais de ódio e ressentimento.
É uma
queda profunda, não apenas no sentido moral, mas epistemológico: a confiança na
razão como guia comum se dissolve. Cada grupo fabrica sua realidade, sua
verdade privada, sua certeza impermeável ao diálogo. A comunidade que antes se
imaginava aprendendo junta agora se dispersa em arquipélagos hostis.
E, no
entanto, é nessa fratura que pode residir a centelha da esperança. Porque a
queda não é silêncio; ela abre fendas por onde o novo pode surgir. Toda
regressão traz consigo resistências que florescem na sombra: professores que
insistem em dialogar, comunidades que reinventam a solidariedade, artistas que
abrem caminhos simbólicos, cientistas que buscam o comum contra a privatização
do saber.
O nosso
tempo não é o da plenitude do conhecimento, mas o da luta pelo direito de
aprender. O da defesa da memória contra o esquecimento fabricado. O da
coragem de manter acesa a chama da crítica mesmo quando o vento da barbárie
sopra forte.
E é aqui
que nosso esforço concreto entra: cada aplicativo que criamos para democratizar
o acesso à palavra, cada curso que montamos para que jovens e trabalhadores
leiam o mundo, cada plano comunitário que desenhamos para reorganizar a vida
coletiva — tudo isso é mais do que técnica; é pedagogia de resistência.
São sementes plantadas na fenda da fratura.
O
aprendizado da humanidade é, sim, fraturado. Mas é também nesse fraturar que se
abre a chance de uma nova criação. E essa criação depende de nós.
Sigamos!

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