Feliz dia, Eliane Lourenço – uma travessia em quatro tempos


Na esquina da rua 12 com a viela do campo desativado, Seu Zé aquece o rango no isopor. Macarrão com salsicha. Diz que aprendeu com o tempo que revolução também é estômago cheio. Ao lado dele, a TV do bar em volume alto fala do fim do mundo: inflação, golpe no país vizinho, ministro falando grosso com o povo. Mas ninguém ali desliga o som. Porque o mundo, pra quem sobrevive com vale-transporte vencido e fé torta, já se esfarela todo dia — só muda o narrador.

"Essa gente aí nunca comeu marmita fria", comenta Seu Zé, apontando pra tela. "Maria Antonieta de hoje não é mais rainha, é influenciadora. E continua achando que a gente quer brioche."

A risada que explode no boteco é mistura de amargura e ironia. Mas é ali, entre um gole de café preto e outro de esperança velha, que se forma a síntese da nossa conjuntura: o Brasil de 2025 é um país em disputa entre a estética da elite gourmet e a ética da marmita resistente.

Enquanto isso, a esquerda — aquela que um dia caminhava com o povo debaixo de chuva — parece procurar likes nas redes, e não passos nas ruas. Gorender já dizia: revolução sem chão é ilusão. E Manoela, quando esteve por aqui, escutou mais do que falou. “A gente precisa reencarnar a política”, ela disse. Seu Zé não entendeu de primeira. Mas hoje ele diz que sim, talvez o que falte seja isso: dar corpo de novo à política, com cheiro, suor e voz da quebrada.

Porque é fácil falar de transformação num plenário ou num tweet. Difícil é sentar com a Dona Rita, mãe solo e catadora, e dizer que ela não está sozinha. Difícil é ouvir. Ouvir com o corpo inteiro, como ensina a fenomenologia das dores que não têm livro, só vivência.

 O fio da esperança tem cheiro de feijoada e som de panela de pressão

Hoje é aniversário da Eliane.

Mulher preta, filha da rua 12 e mãe de sonhos. Guerreira daquelas que não esperam a revolução bater à porta — botam o avental, o lenço na cabeça e fazem a revolução caber na panela. Feijoada que segura conversa. Galinhada que abraça a fome e o coração. E o torresmo... ah, o torresmo da Eliane já fez ateu chorar e crente cantar louvor.

Foi candidata pelo PSOL, dessas que não fazem da sigla um sobrenome, mas um sinal de caminho. Não ganhou a eleição — mas ganhou respeito, porque nunca saiu do povo. Continua ali no Jardim Varan, organizando a rua, ajudando a vizinha, rindo com as crianças, debatendo política como quem prepara o tempero do dia: com firmeza, intuição e afeto.

O marido, motorista de van, conhece cada buraco da cidade. E ela conhece os buracos da alma coletiva — aqueles deixados por um sistema que promete tudo e entrega o mínimo. Mas Eliane não espera promessas. Ela constrói.

E é aqui que voltamos ao que Manoela disse: reencarnar a política. Porque política viva tem cheiro, tem rosto, tem nome. Política viva é a Eliane fritando torresmo e debatendo a Tarifa Zero. É a Eliane ouvindo a dor da vizinha e organizando um mutirão. É a Eliane dizendo: "não dá pra esperar 2050 pra mudar, a gente tem que começar no quintal, agora."

A Rua 12 do Seu Zé e a Rua do Jardim Varan se cruzam na geografia invisível da resistência popular. Não aparecem no Google Maps. Mas são as avenidas pelas quais corre o sangue novo da política que queremos: uma política com feição de gente, com doçura de festa, com potência de mulher preta periférica que sabe que o amanhã não vem sozinho.

Reencarnar a política, reacender a travessia

A política que queremos não nasce nos gabinetes climatizados, mas na esquina da fé que insiste. Ela desce da teoria e encontra um banco de concreto na calçada. Ela não é só análise, é também acolhimento.

Não é só discurso, é torresmo bem frito com palavra quente.

Reencarnar a política é devolver corpo ao que virou imagem. É parar de falar sobre o povo e voltar a andar com o povo. É entender que a esperança não vem pronta, ela se cozinha — como a feijoada da Eliane: fogo lento, paciência, ingredientes simples e um segredo que só quem vive sabe.

A conjuntura é dura, sim. Mas o que vem depois dela depende de quem segura o bastão na curva da história. E se for Eliane, Seu Zé, Maicon e tanta gente anônima que sustenta o mundo com o que tem... Então pode vir o que vier — porque haverá chão, palavra e panela.

O Brasil profundo não cabe no feed, mas cabe num abraço, num grito coletivo, numa travessia. E é nela que estamos. Com todas as idades em nós.

Feliz aniversário companheira. Saúde e Paz sempre!

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Comentários

Anônimo disse…
Verdade verdadeira... juntos na. Luta!
Anônimo disse…
Vdd!