Nota de Conjuntura do Plebeu | Abril de 2025
Entre Maria Antonieta e Gorender: a esquerda em crise de enraizamento
A recente entrevista da ex-deputada Manuela d’Ávila à Folha de S.Paulo provocou um incômodo necessário no campo da esquerda. Ao afirmar que "a esquerda está isolada" e que "a dificuldade nas ruas é evidente e óbvia", Manuela dá corpo a um sentimento vivido por amplos setores militantes: a percepção de que, enquanto a extrema direita ocupa o imaginário popular com narrativas simples (ainda que mentirosas), a esquerda institucionalizada se mostra distante, ritualizada e paralisada. Essa percepção não é apenas fruto de análise racional. É uma experiência vivida de fratura — entre base e direção, entre representação política e vida cotidiana, entre o que se diz e o que se pratica.
Pela lente fenomenológica, essa crise se revela como um descompasso existencial: a esquerda já não se reconhece nas ruas, e as ruas, cada vez mais, não reconhecem a esquerda.
A metáfora de Maria Antonieta, evocada por Manuela, aponta para o abismo simbólico entre lideranças que vivem uma realidade institucional protegida, e uma população submetida à precarização cotidiana. Mesmo com histórico de luta, muitos representantes da esquerda se distanciaram do modo de vida popular — e esse distanciamento, quando não reconhecido, gera ressentimento e ceticismo político. Esse fenômeno encontra eco no diagnóstico do intelectual Jacob Gorender, que em Socialismo sem Utopia alertava para os efeitos corrosivos da ascensão institucional sem enraizamento popular. Para ele, o acesso ao poder tende a alterar o padrão de vida das lideranças, desorganizando suas referências de classe e corroendo sua legitimidade simbólica. É nesse vácuo que a extrema direita cresce: performando proximidade, mesmo sendo estruturalmente inimiga do povo.
Hoje, a principal arena de disputa ideológica é o mundo digital — e a incompreensão desse campo como espaço real de mobilização é uma das causas do isolamento da esquerda. Redes sociais não são apenas ferramentas de comunicação, mas territórios onde se formam subjetividades, se constroem afetos e se disseminam sentidos. Enquanto a extrema direita opera com agilidade, agressividade e estética, a esquerda segue presa a esquemas burocráticos, discursos longos e modos de ação obsoletos.
Este é um chamado à reorganização profunda.
Reorganização ética, simbólica e prática.
O futuro da esquerda depende de sua capacidade de:
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Reencontrar o povo em sua linguagem, tempo, sofrimento e esperança;
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Reencarnar a política como prática de serviço, escuta e convívio;
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Superar a dicotomia entre o real e o virtual, compreendendo a vida digital como parte da vida concreta;
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Recriar formas coletivas de organização que superem o isolamento institucional.
A crise de enraizamento da esquerda não é terminal — mas é profunda. Sua superação exige mais do que ajustes táticos. Exige a coragem de transformar nossa própria forma de estar no mundo político
Tem luta!
Sigamos!!
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