O Plebeu e a Esquerda Online: dois olhos em uma mesma face


“Não há visão sem diferença: ver é unir o que se distingue.”
— Paul Ricoeur

Há momentos em que a história nos pede olhos duplos. Um para ver o horizonte e outro para enxergar o chão. A nomeação de Guilherme Boulos para a Secretaria-Geral da Presidência da República é um desses momentos — em que a esperança e a cautela, o sonho e a estratégia, precisam aprender a ver juntos.

De um lado, o Plebêu enxergou o gesto como um sopro de reconciliação entre Estado e Comum — uma chance de o poder popular entrar pela porta da frente do Palácio e ensinar o Estado a respirar o povo. De outro, o Esquerda Online advertiu com lucidez: toda aproximação entre governo e movimento social carrega o risco de cooptação e acomodação.
Ambos têm razão. E é precisamente na tensão entre essas duas razões que nasce o campo fértil da política viva.

Entre a esperança e a prudência

O Plebêu fala a língua do desejo histórico: vê na nomeação um gesto simbólico de refundação, uma tentativa de transformar o poder em ponte. Já o Esquerda Online fala a língua da salvaguarda: recorda que sem autonomia não há emancipação possível, e que o poder, mesmo o melhor-intencionado, tende a absorver o que o contesta.
São, portanto, dois olhos em uma mesma face — o da esperança que quer avançar e o da prudência que impede o tropeço.

A esquerda que governa precisa dos dois: o olho que sonha e o olho que vigia. Sem o primeiro, nada se move; sem o segundo, tudo se perde.
A tarefa de agora é conciliar sem capitular, dialogar sem dissolver-se, governar sem esquecer quem trouxe a força até aqui.

A conciliação necessária — e prudente

Conciliar não é renunciar; é reconhecer que o conflito pode ser pedagógico. O que se propõe não é uma paz falsa, mas uma tensão fértil, guiada por três exigências simples e duras:

  1. Transparência radical — cada decisão precisa ser pública, rastreável e compartilhável.
  2. Participação viva — não basta escutar o povo; é preciso integrá-lo às engrenagens da decisão.
  3. Autonomia crítica — a esquerda social e o PSOL devem manter voz própria, mesmo dentro da estrutura de governo.

Esses são os antídotos da conciliação vã — aquela que se desarma diante do poder e esquece a rua.
A conciliação prudente é o contrário disso: é a que leva a rua para dentro, mas mantém a rua viva do lado de fora.

Entre o Palácio e a Praça

A história recente nos mostra o perigo das ilusões palacianas e das purezas paralisantes. Nenhuma das duas serve ao presente.
O desafio que se abre com a entrada de Boulos é justamente o de transformar a tensão em método, a diferença em motor. Que a Secretaria-Geral da Presidência seja não um gabinete de protocolos, mas um laboratório do comum, um espaço de tradução entre o que o Estado promete e o que o povo exige.

Se o gesto de Lula foi um convite, o de Boulos será uma resposta.
E caberá à militância o exercício mais difícil: apoiar sem adular, cobrar sem hostilizar, confiar sem adormecer.

O fio da visão dupla

No fundo, Plebêu e Esquerda Online dizem a mesma coisa com vozes distintas: que governar é uma forma de vigiar a si mesmo.
O primeiro o diz com lirismo, o segundo com rigor; um sonha o possível, o outro mede o risco.
E é da soma dessas visões — a visão dupla da esperança prudente — que pode nascer o novo ciclo político do Brasil.

Porque, afinal, nenhum olho enxerga tudo sozinho.
E ver o futuro exige ambos: o olhar que ilumina e o olhar que guarda.

Tem Luta!
Sigamos!!

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