Entre a servidão e a justiça: o humano em travessia


29ª Semana do Tempo Comum — Quinta-feira

“Outrora oferecestes vossos membros como escravos da impureza; agora, colocai-os a serviço da justiça.”
(Romanos 6,19)

Há textos que não envelhecem porque falam menos do passado e mais do que se move dentro de nós. A carta de Paulo aos Romanos, lida nesta quinta-feira da 29ª Semana do Tempo Comum, é um desses lampejos em que a palavra antiga acende o presente. Ela nos convida a olhar para dentro — e reconhecer que toda vida humana se desenrola entre dois polos: o da servidão e o da liberdade.

Mas Paulo, aqui, não fala da escravidão política, nem da liberdade civil. Fala do território mais íntimo — aquele onde o corpo e a consciência se encontram. “Outrora oferecestes vossos membros à impureza”, escreve ele, usando o corpo como metáfora da vontade. Nossos gestos, impulsos e palavras são sementes: podem gerar morte ou vida, desordem ou justiça.

O texto tem uma lucidez rara. Não se trata de trocar um jugo por outro, mas de compreender que a liberdade não é ausência de vínculos, e sim escolha consciente de quem servir. O humano, diz Paulo, é sempre servo de algo — do egoísmo ou da justiça, do medo ou do amor. O que muda é o senhor a quem entregamos nossos dias.

A sabedoria escondida nessa passagem é que a santidade não é moralismo, mas educação do desejo. É quando o corpo aprende a servir à vida, e não ao seu contrário. A fé, nesse sentido, não é fuga do mundo, mas retorno ao centro: é quando o ser humano reencontra o eixo que o alinha à verdade, à beleza e à solidariedade.

E então, no verso final, Paulo escreve uma das frases mais belas de toda a literatura espiritual:

“A paga do pecado é a morte, mas o dom de Deus é a vida eterna.”

Há aqui uma geometria secreta: o que nasce do cálculo morre; o que nasce do dom permanece.
A morte, nesse texto, não é castigo — é consequência. A vida eterna, por sua vez, não é prêmio — é fruto de uma harmonia restaurada. Quando o corpo, a mente e o espírito respiram no mesmo ritmo, o tempo já não pesa: torna-se passagem, e a eternidade começa no agora.

Nesta quinta-feira do tempo comum, o convite é simples e radical: colocar os próprios membros a serviço da justiça — que é o mesmo que dizer, a serviço do amor. Pois só quem se faz servo do bem pode, um dia, chamar-se verdadeiramente livre.

Tem Luta!

Sigamos!!

Foto: Aplicativos da Bílbia (aqui)


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