Saúde é direito, corpo é território: a luta LGBTI+ no Alto Tietê
Neste dia 25 de julho de 2025, a Câmara Municipal de Mogi das Cruzes abre suas portas para uma audiência pública sobre a saúde da população LGBTI+ no Alto Tietê. A atividade, que contará com a presença da vereadora Inês Paz, do deputado estadual Guilherme Cortez e de diversos coletivos e organizações da região, marca mais que um encontro institucional. Ela representa uma oportunidade histórica de afirmar que saúde, para além de um direito universal, precisa ser praticada como escuta concreta, cuidado situado e política de reconhecimento das diferenças. O que está em pauta não é apenas o acesso aos serviços do SUS, mas o direito de existir com dignidade e ser cuidado com respeito — em todos os territórios do corpo e da vida.
A
Constituição brasileira afirma que saúde é direito de todas, todos e todes. O
SUS, sistema de saúde público e universal, já possui diretrizes nacionais que
reconhecem a população LGBTI+ como um grupo com demandas específicas, desde a
criação da Política Nacional de Saúde Integral para Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis e Transexuais, em 2009. Essas diretrizes preveem ações como promoção
da saúde, prevenção de ISTs, acesso a processos de hormonização e acolhimento
psicológico. Contudo, a presença concreta desses serviços ainda é muito
desigual no país. No Alto Tietê, em especial, não existe uma rede consolidada
que garanta esse cuidado específico. Muitas unidades básicas de saúde não
utilizam o nome social, profissionais não recebem formação adequada sobre
identidade de gênero, e os ambulatórios específicos para a população trans
ainda são ausências gritantes. A abrangência do SUS, portanto, esbarra na falta
de vontade política, na ausência de estrutura e na distância entre as
diretrizes e a realidade vivida por quem procura atendimento.
A
saúde da população LGBTI+ exige muito mais do que generalizações. Ela requer o
reconhecimento da especificidade de corpos, histórias e violências que não
cabem em categorias normativas. A falta de protocolos específicos para o
atendimento de pessoas travestis, transmasculinas, não-binárias e intersexo
impede a construção de vínculos e gera exclusão. É urgente garantir o acesso à
hormonização segura, ao atendimento ginecológico para homens trans, à escuta
psicológica que afirme a identidade de quem procura ajuda, sem patologizar suas
vivências. É preciso acolher jovens LGBTI+ que sofrem expulsão de casa,
abandono escolar ou violência doméstica, bem como garantir o cuidado integral
para pessoas vivendo com HIV, sem reproduzir estigmas ou preconceitos. Essa
especificidade é essencial para que o cuidado aconteça de forma ética,
inclusiva e humanizada.
Diante
disso, os desafios a serem enfrentados são múltiplos e estruturais. A formação
dos profissionais de saúde deve ser contínua e obrigatória, incluindo temas
como diversidade de gênero e orientação sexual nos currículos e nas práticas
diárias do SUS. Além disso, é necessário implementar protocolos locais baseados
nas políticas nacionais já existentes, criando ambulatórios regionais com
referência no acolhimento à população LGBTI+. Outro ponto crucial é a produção
de dados qualificados: os cadastros do SUS ainda não incluem, de forma
sistemática e respeitosa, variáveis como identidade de gênero e orientação
sexual, dificultando o planejamento de políticas públicas baseadas em
evidências. Ao mesmo tempo, é essencial criar canais de denúncia acessíveis, para
que casos de discriminação e violência institucional possam ser devidamente
tratados. Por fim, nenhuma política será efetiva se os sujeitos diretamente
envolvidos não forem protagonistas na sua formulação. É indispensável que os
movimentos, coletivos e fóruns LGBTI+ estejam presentes nos conselhos de saúde,
nas conferências e nos espaços de decisão pública.
A
audiência pública do dia 25 de julho é um passo fundamental para transformar
essa realidade. Ela reafirma que a luta por saúde é, também, uma luta por
memória, reparação e justiça. A presença do poder público ao lado dos
movimentos sociais sinaliza que a política, quando guiada pelo compromisso
ético com a vida, pode se tornar instrumento de transformação. Não se trata
apenas de debater propostas, mas de construir escuta, presença e futuro
com base na dignidade.
Viver
é um verbo político. A saúde da população LGBTI+ precisa deixar de ser exceção
para se tornar prioridade. Em um contexto onde a violência simbólica e física
ainda atravessa os corpos dissidentes, garantir acesso pleno, acolhedor e
humanizado ao SUS é mais do que uma demanda técnica — é um imperativo
civilizatório. Que a audiência pública seja apenas o início de uma caminhada
firme e generosa. Porque não há justiça sem orgulho, não há democracia sem
cuidado, e não há futuro possível onde não cabe toda forma de existência.
Sigamos!!
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