O Fio da História e o Limiar do Novo Tempo
Se os meios de produção fossem apenas máquinas, fábricas e escritórios, poderíamos tratá-los como objetos a mais na galeria do mundo. Mas não: eles são a própria memória material da humanidade. Cada engrenagem contém séculos de suor, cada linha de código resume noites insones de pesquisa, cada arado e cada servidor carregam as mãos invisíveis de milhões de trabalhadores. Apropriá-los como propriedade privada é empobrecer a história. Eles pertencem ao coletivo, não por decreto, mas por essência: são frutos da vida comum.
A
política, nesse quadro, não é mero arranjo de interesses, mas arte e ciência.
Arte, porque dá expressão aos sonhos humanos; ciência, porque tenta compreender
a natureza do homem e da sociedade. E, se é arte e ciência, é também
teleologia: trabalha para que o fim aconteça, isto é, para que os valores e os
sujeitos de direito não fiquem apenas em papéis, mas caminhem, respirem e
moldem o tempo.
É
nesse ponto que surgem as forças. As internas — o pão, a moradia, o trabalho,
os conflitos de classe —, urgências que já habitam o presente. E as externas —
as tecnologias que despontam, as culturas que se reinventam, as crises
ambientais que se anunciam. As primeiras são naturais, brotam da necessidade.
As segundas são racionais, frutos da capacidade criativa de transformar a
natureza em destino. A governança tenta domar as internas; a governabilidade se
exercita diante das externas. E entre ambas se equilibra a política, como quem
segura dois ventos para não perder o rumo.
Chegamos
então ao limiar de um novo tempo. Dizer que a civilização já não se reconhece
apenas pelo olhar entre gerações é reconhecer que o mero sentido não basta. O
que ontem era continuidade tranquila — pais e filhos, mestres e discípulos —
hoje se esconde sob a velocidade das mutações. A cada vinte ou trinta anos,
mudam-se os prédios, os campos, os transportes, as linguagens e até o senso
comum. O observador desavisado julga estar diante do “novo”. Mas o novo não
existe; existe a transformação. O fio da história não se rompe, apenas se
mascara. Para percebê-lo, não bastam os olhos: é preciso a razão, que
compreende na mudança a permanência.
No
meio dessa vertigem, duas colunas resistem: a capacidade de compreensão, que
decifra o mundo, e o senso de preservação, que impede que a vida se destrua a
si mesma. O restante é espuma dos dias. A essas colunas caberá sustentar a
travessia.
Ora,
se assim é, não surpreende que um sistema fundado no esgotamento — o
capitalismo — dê sinais de cansaço. Ele se esvai não de repente, mas como chama
que consome o próprio pavio. Em contrapartida, o socialismo aparece, não como
imposição externa, mas como resposta natural às exigências da compreensão e da
preservação. Socialismo aqui não é palavra gasta de panfleto, mas nome para a
necessidade de reconhecer o caráter coletivo da produção e de organizar a vida
em torno da dignidade comum.
Eis,
portanto, a síntese: meios de produção como patrimônio coletivo; política como
arte e ciência; forças internas e externas em tensão; governança e
governabilidade como equilíbrio precário; transformação contínua disfarçada de
novidade; compreensão e preservação como permanências; e, no fim, a transição
de um mundo que se esvai para outro que se anuncia.
Se
este quadro soa grave, console-se o leitor: a história sempre foi mestra em
ironias. Talvez, enquanto debatemos, ela sorria de nossa pretensão de nomeá-la.
Mas se é certo que não podemos antecipar seu veredicto, também é certo que nos
cabe tentar compreendê-la. Afinal, como diria um velho cronista, a humanidade
progride — ou se transforma — mais por necessidade do que por virtude.

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