Cuidar da cidade não pode custar a saúde de quem protege


Num tempo em que tudo se mercantiliza, inclusive a esperança, o discurso da “segurança pública” não pode ser usado como atalho político. A Câmara de Mogi das Cruzes se sentiu pressionada a aprovar, o Projeto de Lei nº 115/2025 que cria a chamada Diária Especial por Atividade Complementar (DEAC), uma espécie de sobrejornada paga a integrantes da Guarda Civil Municipal. Aparentemente inofensiva, a proposta revela, no entanto, um modelo de gestão que não percebe que combater a violência — não signigica transferir, silenciosamente, para os ombros do trabalhador público a resposabilidade do BO.

Sob o véu da voluntariedade, o projeto abre caminho para um desequilíbrio profundo. Quem não adere à DEAC perde, na prática, capacidade de sustentar sua própria subsistência diante da corrosão inflacionária. O que se vende como “comprometimento com a cidade” se torna um mecanismo de desigualdade interna, onde o servidor que apenas cumpre sua jornada ordinária abre caminho para ser tratado como menos produtivo. Naturaliza-se o excesso, glorifica-se o desgaste e silencia-se a dignidade.

A verdade é que a DEAC surge como substituto disfarçado do que o município deveria estar fazendo: valorizando estruturalmente o serviço público, recompondo o efetivo da GCM por meio de concursos, planejando sua política de pessoal com responsabilidade e transparência. Em vez disso, opta-se por uma solução que transfere ao indivíduo a culpa e o peso da falência institucional. Quem não quiser ou não puder se submeter à sobrejornada, que arque com a consequência: o salário achatado, a estigmatização simbólica, o isolamento na carreira.

O mandato da vereadora Inês Paz apresentou emenda ao projeto exigindo que a implementação da DEAC fosse acompanhada de plano anual de recomposição do efetivo. A proposta foi rejeitada. A maioria do plenário preferiu manter intacta a arquitetura do improviso, optando por esconder a precarização debaixo da linguagem do mérito. Derrotar essa emenda foi, na prática, legitimar a substituição de uma política pública permanente por um expediente temporário de pressão individualizada. Fazer puxadinho na política pública de segurança é perigoso e pernicioso.

Pelo lado das trabalhadoras e agentes mora uma ilusão que demorará a despertar. Ainda não houve mobilização ampla da direção sindical sobre o tema, e parte da categoria, num primeiro momento, enxerga na DEAC uma possibilidade de ganho financeiro. Coitadinhos, fugiram da aula de matemática no colégio. Por isso, é urgente fortalecer os espaços de escuta, discussão e retomar a capacidade de reflexão, formação e consciência crítica. Sem isso, corremos o risco de normalizar a violência pssicológica no trabalho e o cansaço como método de gestão, o esvaziamento dos concursos como política de Estado, e a individualização da precariedade como destino inevitável.

Defender a segurança pública é defender condições dignas para quem protege a cidade. É recusar a ideia de que se combate a violência com mais trabalho, menos sono e nenhum reconhecimento. É entender que não há combate real à violência onde se cultiva o adoecimento invisível do servidor. Valorizar a GCM não é criar diárias especiais — é garantir salário justo, estrutura de trabalho e respeito à jornada humana e formação para um modelo de polícia que priorize a defesa social, o combate a violência e a valorização da vida. 

É tempo de reconstruir outro horizonte: não podemos querer paliativos. Queremos planejamento, justiça e dignidade. Não querer sacrifício individual — queremos política pública viva, coletiva, transparente. Queremos uma cidade segura de verdade, não à custa da exaustão de quem a protege.

Essa é uma luta que precisa ser travada com coragem, com solidariedade e com palavra clara. Porque a vida de quem defende vidas merece ser vivida com inteireza, e não repartida entre o salário que falta e o tempo que se perde tentando compensá-lo. E porque não há segurança verdadeira onde o servidor público é empurrado para o limite.

Tem Luta!

Sigamos!!


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