Leão XIV: a escolha de um nome, o sinal de um tempo


Neste oito de maio de 2025 o mundo assistiu à eleição do novo pontífice da Igreja Católica. E não foi uma escolha qualquer: o novo Papa adotou o nome Leão XIV, gesto carregado de simbolismo histórico e de oportunas e preciosas repercussões políticas e espirituais para o futuro da Igreja e do mundo.

Em seu primeiro discurso, Leão XIV falou com serenidade e firmeza: saudou os povos com a paz de Cristo, agradeceu a Francisco, reafirmou o espírito sinodal e se declarou discípulo de Santo Agostinho; falou de pontes, diálogo, proximidade, caridade e missão. O tom é de continuidade. Mas o nome escolhido aponta para algo mais, uma inflexão histórica que merece atenção, uma convocação: Leão XIV e a memória da Rerum Novarum.

Ao escolher esse nome, o novo papa se alinha diretamente à figura de Leão XIII, autor da encíclica Rerum Novarum (1891), que inaugurou a Doutrina Social da Igreja. Aquela carta apostólica foi um divisor de águas: denunciou os abusos do capitalismo industrial, defendeu o direito ao trabalho digno, ao salário justo, à organização dos trabalhadores e à intervenção do Estado contra a miséria.

Mas também rejeitou o socialismo sem democracia, mantendo a defesa da propriedade privada e uma concepção de justiça mais moral do que estrutural. Foi um marco de denúncia, sim — mas também de limites.

Hoje, mais de 130 anos depois, Leão XIV revive essa memória ao escolher um nome que não apenas evoca a tradição, mas que sugere um retorno às questões sociais e à crítica da ordem econômica global. Porém, agora, o contexto é outro. Não vivemos mais os horrores da fábrica do século XIX, mas a uberização do trabalho, a financeirização da vida, o colapso climático e o esgotamento das democracias.

O que o discurso diz — e o que ele silencia

No discurso de oito de maio de 2025, Leão XIV falou em paz desarmadora, em pontes e em amor. Mas não nomeou as estruturas que causam a guerra, que erguem muros e que negam dignidade. Falou da missão da Igreja junto aos pobres, mas não denunciou as causas materiais da pobreza. Isto ficará por nossa conta. Reafirmou a Igreja sinodal, mas ainda não sabemos se será também uma Igreja revolucionária, como foi Jesus.

O gesto de recusar um nome como João XXIV (herdeiro de João XXIII e do Concílio Vaticano II) e optar por Leão XIV pode ser lido como uma decisão de ir além da reforma litúrgica e pastoral. Pode significar o desejo de intervir no debate global sobre modelos de organização social e política entre as nações — assim como a Rerum Novarum fez ao denunciar as injustiças da modernidade industrial.

Rerum Novarum, ontem; De Re Existentia, hoje?

Se a Rerum Novarum foi o início de um processo de aproximação entre fé e justiça social, talvez seja chegada a hora de um novo salto. Que Leão XIV tenha nosso apoio e sintonia para publicar uma nova encíclica — que poderia se chamar De Re Existentia, ou seja, "Sobre as coisas que resistem e insistem em viver".

Uma encíclica que:

  • Reconheça a centralidade da luta dos povos por terra, trabalho, teto e dignidade;
  • Denuncie a concentração de riquezas, os paraísos fiscais e a financeirização do planeta;
  • Veja no feminismo, no ecologismo e no antirracismo não ameaças à doutrina, mas sinais dos tempos;
  • E que tenha a coragem de dialogar com o materialismo histórico, não como doutrina, mas como ferramenta legítima de leitura da realidade.

O desafio está lançado

Leão XIV foi recebido com festa, esperança e muitas perguntas. Seu gesto simbólico já impacta a opinião pública e pode marcar uma nova etapa da ação da Igreja no mundo. Mas nenhuma ponte será suficiente se não soubermos nomear os rios de sangue que ela tenta atravessar.

Paz, sim. Mas paz com justiça. Missão, sim. Mas missão com transformação. Diálogo, sim. Mas com escuta real dos oprimidos e com compromisso com suas lutas.

Que Leão XIV seja não apenas um nome, mas um chamado à história. E que, como discípulos do povo e da Terra, estejamos prontos para caminhar ao lado — ou à frente, quando for preciso — com fé, crítica e esperança.

Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. (Mt 5,6)

Tem Luta!

Sigamos.


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