Entre o Estado e o Comum: Boulos, Lula e a dialética do poder popular


Há gestos que dizem mais que palavras. A nomeação de Guilherme Boulos para a Secretaria-Geral da Presidência da República é um desses momentos em que o tempo histórico se condensa num ato político. O líder que nasceu das ocupações urbanas chega agora ao coração do governo — e o que parece mera troca de cargos revela, sob a superfície, um movimento de fundo: o reencontro entre o Estado e o povo.

Desde o início do terceiro governo Lula, a esquerda vive um dilema que é, antes de tudo, dialético. Para governar, é preciso conciliar forças diversas — o centro institucional, os setores econômicos, as alianças parlamentares. Mas para transformar, é preciso manter acesa a chama popular que lhe deu origem. Entre a necessidade de governabilidade e o desejo de transformação, o governo caminha sobre a corda bamba do possível. A nomeação de Boulos é a tentativa de equilibrar novamente essa tensão, trazendo de volta para o Planalto a pulsação das ruas.

O novo ministro não é um nome qualquer. Sua trajetória — das assembleias do MTST às urnas de São Paulo — traduz a passagem do movimento social à institucionalidade. É o corpo político da periferia, agora atravessando os corredores do poder. E isso carrega uma ambiguidade própria do processo histórico: o mesmo gesto que eleva a voz dos oprimidos ao centro do Estado pode também marcar o risco de sua neutralização. O desafio, portanto, não é apenas ocupar o cargo, mas fazer do cargo um território de escuta.

O materialismo histórico nos ensina que o Estado nunca é um bloco monolítico. Ele é um campo de forças, um tabuleiro em disputa permanente. Dentro dele convivem a lógica da administração e a lógica da emancipação — a primeira tenta estabilizar, a segunda insiste em mover. Ao substituir Márcio Macedo, Lula não troca apenas uma pessoa: altera a direção do movimento. Sai a política da logística, entra a política da escuta.

Os jornais, como sempre, tentam enquadrar o gesto em suas narrativas de normalidade. Dizem que é uma movimentação de bastidores, um cálculo para 2026, uma escolha pragmática. E há nisso um grão de verdade — mas só um grão. O que a superfície das manchetes não alcança é o conteúdo histórico do ato: a tentativa de reabrir o Estado à sociedade civil, de devolver organicidade à democracia, de reatar a conversa interrompida entre governo e povo.

A Geometria dos Saberes nos ajuda a compreender o gesto como forma viva:

  • A ciência vê o fato administrativo;
  • A filosofia percebe o sentido da passagem geracional;
  • A arte se manifesta na imagem do reencontro entre líderes;
  • A política se move no cálculo e na disputa;
  • E a ética reaparece como o laço invisível que ancora a confiança no comum.

Vista assim, a nomeação de Boulos é uma pedagogia da esperança. Ensina que é possível transformar a experiência das ruas em método de governo, sem perder o vínculo com a base popular. Que é possível ocupar o Estado sem se render à sua inércia. E que o poder, quando devolve o ouvido ao povo, reencontra seu sentido original: servir à vida.

O Brasil vive um tempo em que a conciliação já não basta, mas a ruptura ainda não é possível. É nesse intervalo — onde o velho resiste e o novo ainda se forma — que a história se move. Boulos, no Planalto, representa esse ponto de inflexão: o instante em que o Estado se abre à dialética do real, quando a política volta a respirar como criação coletiva.

E talvez aí esteja o verdadeiro significado desse gesto:
a lembrança de que toda revolução começa não com um decreto, mas com uma escuta.

Tem muita luta!

Sigamos!!


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