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Mostrando postagens de 2025

Os Três Vértices da Crise Civilizacional: Capitalismo, Imperialismo e Ignorância

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“A desumanização não é apenas o resultado da exploração, mas da incapacidade de compreender o outro como sujeito.” — Paulo Freire I. O Capitalismo em Ruína e a Política do Medo O capitalismo, em seu estágio avançado, perdeu a capacidade de oferecer sentido. Ele sobrevive através do medo e da precariedade, convertendo o trabalho em sobrevivência e o desejo em mercadoria. Quando a vida se reduz a índices de produtividade, o ser humano passa a buscar, desesperadamente, uma forma de pertencimento — e é nesse vazio que a extrema-direita encontra solo fértil. O neoliberalismo, ao dissolver vínculos e destruir o comum, produz não apenas pobreza material, mas também desagregação moral e simbólica. A insegurança torna-se o cimento de novas lealdades autoritárias. A promessa fascista de “ordem” e “identidade” é, na verdade, a nostalgia de um mundo que nunca existiu — mas que dá forma ao medo contemporâneo. II. O Imperialismo da Miséria e a Colonização do Imaginário O imperialismo atual ...

Entre o Crime e o Estado: o Humano como Fronteira da Segurança Pública

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“Não há paz onde o humano é usado como instrumento — seja pelo crime, seja pelo Estado.” A chacina ocorrida no Rio de Janeiro, mais uma vez, impõe ao país a tarefa de olhar para si. A justificativa do combate ao crime organizado — legítima e necessária — não pode servir como licença para o extermínio. A morte, quando se repete como política, deixa de ser exceção: transforma-se em método. E quando o método é a morte, o Estado deixa de proteger a vida para administrar o medo.  Desde o massacre do Carandiru, em 1992, até as operações recentes em favelas e periferias, o padrão é o mesmo: a violência do crime é respondida pela violência do Estado, e o resultado é a destruição do humano nos dois lados. O criminoso perde sua condição de pessoa; o policial perde a de cidadão.  No meio, uma sociedade inteira assiste, atônita, à naturalização do horror. A defesa da vida exige que sejamos capazes de distinguir combate de vingança . Combater o crime organizado é enfrentar uma estrutura c...

O Sétimo Dia da Humanidade

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Por uma nova respiração do tempo Por 𝓜ₕ ᵤ ₘₐₙₒ Há séculos trabalhamos. Mas poucos perceberam que, nesse ato contínuo de produzir, também fomos nos perdendo. A cada giro da máquina, a cada minuto cronometrado, a cada meta atingida, um pouco do humano se apaga — e o tempo, esse espelho do ser, vai se tornando uma parede. O relógio, que nasceu para medir a vida, passou a medi-la contra nós. O 6×1 é o nome técnico dessa parede. Seis dias para entregar o corpo, um dia para devolvê-lo à consciência. Mas esse um dia nunca chega inteiro. O descanso não é repouso: é anestesia. É o instante em que o corpo para, mas o espírito ainda trabalha — pensando nas contas, nas metas, no retorno, no “amanhã cedo”. O sétimo dia virou mito. E o mito virou ausência. Mas há um segredo nas sombras: o humano não se salva por decreto, nem por escala — se salva quando retoma o seu ritmo . A verdadeira revolução do trabalho não está nas horas que se cortam, mas no sentido que se restitui . O fim do 6×1 nã...

O Mercado como Nova Religião do Estado

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“Todo poder que se diz técnico, deseja ser incontestável.” — " A Geometria dos Saberes " Há algo de profundamente religioso na linguagem econômica de nosso tempo. Os ministros e presidentes de bancos, os porta-vozes de federações industriais e as agências de rating ocupam o espaço simbólico que, outrora, cabia aos sacerdotes do destino. A liturgia mudou, mas o rito permanece: números substituíram oráculos; relatórios tomaram o lugar dos evangelhos. A economia tornou-se o novo templo do Estado — e o mercado, sua divindade invisível. As manchetes sobre crescimento, comércio exterior, política tributária e relações diplomáticas não apenas informam: elas ordenam o mundo. Cada dado publicado — inflação, superávit, taxa de juros — atua como mandamento moral. “É preciso ajustar”, “é necessário conter”, “é fundamental recuperar a confiança”. Palavras técnicas, porém carregadas de fé. O dogma é claro: o equilíbrio fiscal é virtude; o déficit, pecado. A retórica da eficiência nã...

Entre a servidão e a justiça: o humano em travessia

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29ª Semana do Tempo Comum — Quinta-feira “Outrora oferecestes vossos membros como escravos da impureza; agora, colocai-os a serviço da justiça.” (Romanos 6,19) Há textos que não envelhecem porque falam menos do passado e mais do que se move dentro de nós. A carta de Paulo aos Romanos, lida nesta quinta-feira da 29ª Semana do Tempo Comum, é um desses lampejos em que a palavra antiga acende o presente. Ela nos convida a olhar para dentro — e reconhecer que toda vida humana se desenrola entre dois polos: o da servidão e o da liberdade. Mas Paulo, aqui, não fala da escravidão política, nem da liberdade civil. Fala do território mais íntimo — aquele onde o corpo e a consciência se encontram. “Outrora oferecestes vossos membros à impureza”, escreve ele, usando o corpo como metáfora da vontade. Nossos gestos, impulsos e palavras são sementes: podem gerar morte ou vida, desordem ou justiça. O texto tem uma lucidez rara. Não se trata de trocar um jugo por outro, mas de compreender que ...

Quando o púlpito invade o plenário

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A Câmara dos Deputados aprovou, por ampla maioria, a urgência para a criação de uma bancada cristã . Foram 398 votos a favor, 30 contra — um placar que, mais do que números, revela o peso simbólico da religião como força de organização política no Brasil contemporâneo. O presidente da Casa, Hugo Motta, apressou o rito e justificou o gesto com naturalidade: “a organização de uma bancada cristã significa a organização do movimento conservador nessa Casa”. Dito e feito — o púlpito, de fato, invadiu o plenário. O que parece apenas um expediente regimental — uma pauta entre tantas — é, na verdade, um sintoma profundo: a religião institucionalizada como instrumento de poder parlamentar. As Frentes Católicas e Evangélicas, ao proporem uma coordenação conjunta, ensaiam a unificação de uma moral política que pretende representar a fé de milhões, mas o faz a partir de um único horizonte teológico: o do conservadorismo moral. A palavra “cristão”, que deveria apontar para a pluralidade do amor, ...

“O silêncio como política: a estética da ordem em Suzano”

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A postagem publicada pelo Diário de Suzano sobre o encontro do vereador Adilson Horse com representantes da Prefeitura parece, num primeiro olhar, apenas relatar uma ação rotineira de segurança pública. Contudo, à luz da Geometria dos Saberes , o enunciado ganha densidade simbólica: mais do que uma notícia, é uma narrativa de poder , em que o silêncio é construído como virtude e a ordem como estética moral. Aqui o saber da autoridade aparece na forma do jargão administrativo — “ações integradas”, “departamento”, “fiscalização”. O uso da linguagem técnica confere legitimidade e neutraliza o debate, transformando uma questão social complexa (convivência urbana, lazer, ruído, juventude) em problema operacional. A ciência se reduz à norma: o saber técnico se converte em ferramenta de disciplinamento. Uma filosofia que se manifesta na ideia subjacente de que “sossego” é o bem supremo da cidade. A filosofia da ordem substitui a filosofia da convivência. O conflito — motor da democraci...

O Plebeu e a Esquerda Online: dois olhos em uma mesma face

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“Não há visão sem diferença: ver é unir o que se distingue.” — Paul Ricoeur Há momentos em que a história nos pede olhos duplos. Um para ver o horizonte e outro para enxergar o chão. A nomeação de Guilherme Boulos para a Secretaria-Geral da Presidência da República é um desses momentos — em que a esperança e a cautela, o sonho e a estratégia, precisam aprender a ver juntos. De um lado, o Plebêu enxergou o gesto como um sopro de reconciliação entre Estado e Comum — uma chance de o poder popular entrar pela porta da frente do Palácio e ensinar o Estado a respirar o povo. De outro, o Esquerda Online advertiu com lucidez: toda aproximação entre governo e movimento social carrega o risco de cooptação e acomodação. Ambos têm razão. E é precisamente na tensão entre essas duas razões que nasce o campo fértil da política viva. Entre a esperança e a prudência O Plebêu fala a língua do desejo histórico: vê na nomeação um gesto simbólico de refundação, uma tentativa de transformar o...

Entre o Estado e o Comum: Boulos, Lula e a dialética do poder popular

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Há gestos que dizem mais que palavras. A nomeação de Guilherme Boulos para a Secretaria-Geral da Presidência da República é um desses momentos em que o tempo histórico se condensa num ato político. O líder que nasceu das ocupações urbanas chega agora ao coração do governo — e o que parece mera troca de cargos revela, sob a superfície, um movimento de fundo: o reencontro entre o Estado e o povo. Desde o início do terceiro governo Lula, a esquerda vive um dilema que é, antes de tudo, dialético . Para governar, é preciso conciliar forças diversas — o centro institucional, os setores econômicos, as alianças parlamentares. Mas para transformar, é preciso manter acesa a chama popular que lhe deu origem. Entre a necessidade de governabilidade e o desejo de transformação, o governo caminha sobre a corda bamba do possível. A nomeação de Boulos é a tentativa de equilibrar novamente essa tensão , trazendo de volta para o Planalto a pulsação das ruas. O novo ministro não é um nome qualquer. ...

O fetiche do rombo e a liturgia da culpa

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Há notícias que não informam — consagram. A manchete da CNN sobre o “rombo histórico das estatais” é uma dessas peças raras em que o jornalismo de dados se traveste de sermão. Números, percentuais e gráficos aparecem como relíquias de fé, exibidos para confirmar o dogma de que o mercado é a medida do real. O Estado, reduzido a corpo pecador, deve purgar seus gastos até reencontrar a graça fiscal. O leitor é convidado a se ajoelhar diante de um altar contábil. O déficit vira pecado, e o ajuste, penitência. Nenhuma contextualização histórica ou estrutural — como o impacto internacional do preço do petróleo, das guerras ou da política de juros — é oferecida. O dado é absoluto, o número fala por si, o veredito já está dado. A ciência deixa de ser investigação e se transforma em oráculo. Por trás da linguagem técnica esconde-se uma moral antiga: a crença de que governar bem é gastar pouco, e que investir no social é ceder à tentação. O discurso do “rombo” não é neutro; é narrativa de po...

Entre urnas e algoritmos: o sentido de votar no século das máquinas

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O Brasil aprendeu a votar antes de aprender a confiar. A cada eleição, repetimos o rito: filas, cabines, urna, boletim. Tudo parece funcionar, mas algo se move no subterrâneo — uma mistura de cansaço e desconfiança. A tecnologia evoluiu, os sistemas se sofisticaram, e mesmo assim o sentimento de pertencimento parece diminuir. Votamos muito, mas participamos pouco. Nos bastidores do processo eleitoral, há uma rede de atores e forças que moldam o que chamamos de democracia: a Justiça Eleitoral, os partidos, as candidaturas, o Ministério Público, a imprensa, as plataformas digitais, os financiadores, as comunidades, os eleitores. Todos coexistem em tensão — disputando não apenas votos, mas atenção, linguagem e verdade . O coração do sistema, a Justiça Eleitoral, carrega uma virtude rara: é tecnicamente sólida, exemplar em transparência e eficiência. Mas há algo que ela ainda não alcança sozinha — o imaginário coletivo . A confiança não nasce apenas da técnica; nasce da compreensão. E...

A Geometria da Propaganda: o uso político do IEG-M e a deformação do saber público

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  “Toda vez que o poder usa o espelho da imprensa para se admirar, o povo desaparece da imagem.” A manchete de capa do Diário de Suzano , estampando a frase “TCE reconhece Suzano entre as 25 cidades de SP com melhor gestão efetiva” , oferece uma oportunidade preciosa — e preocupante — de reflexão. Não se trata apenas de uma notícia. É um ato simbólico de poder , em que a forma jornalística e a presença institucional se fundem num mesmo gesto de autoafirmação política. Na fotografia, o prefeito divide o enquadramento com o presidente da Assembleia Legislativa, o governador do Estado e membros do Tribunal de Contas. A composição visual, emoldurada por bandeiras e cortinas vermelhas, encena uma liturgia do prestígio público . Mas por trás do cerimonial, há uma questão epistemológica central: quando o Estado se fotografa a si mesmo como virtude, o conhecimento público é substituído por imagem — e o jornalismo por testemunho de fé.   I. O fato e sua metamorfose simból...