Boulos e a Caneta Azul: A Importância de Dizer o Óbvio
Em um mundo onde a realidade pode ser distorcida pelas narrativas hegemônicas, lembrar e reafirmar o óbvio se torna um ato revolucionário. Esta reflexão surge a partir da metáfora usada por Guilherme Boulos em sua entrevista à jornalista Mônica Bérgamo e da análise de um símbolo cultural improvável: a caneta azul, eternizada na música de Manoel Gomes.
Boulos, ao mencionar a metáfora da cadeira de praia – que é repetidamente dita como verde quando, na verdade, é azul – toca em um ponto crucial da política contemporânea: a manipulação das percepções coletivas. Se apenas um lado do discurso é ouvido, por mais irreal que seja, ele passa a moldar a compreensão popular até que uma mentira se torne uma "verdade" incontestada. Para contrapor isso, é essencial que alguém tenha a coragem de apontar a realidade e dizer: "Desperta! Essa cadeira é azul".
De forma semelhante, a caneta azul na música de Manoel Gomes representa algo autoevidente. Todos reconhecem a cor e sabem que é azul; ninguém precisa dizer isso explicitamente para que seja compreendido. Este elemento, aparentemente simples, nos convida a refletir sobre o que deveria ser óbvio em nossa sociedade, mas que muitas vezes é ofuscado pela repetição de narrativas convenientes e distorcidas.
Quando falamos de justiça social, direitos humanos e políticas públicas que beneficiam os mais vulneráveis, essas necessidades deveriam ser percebidas de forma tão natural quanto a cor de uma caneta ou de uma cadeira. No entanto, em um contexto onde o discurso anti-Estado se fortalece e promove a ideia de "cada um por si", é necessário reafirmar incansavelmente o que deveria ser autoevidente: a importância de uma sociedade solidária e amparada por direitos.
Aqui, as bem-aventuranças da tradição cristã ressoam de forma profunda. Quando Cristo diz "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados" e "Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus", ele sublinha a importância de perceber e defender aquilo que é verdadeiro e justo, mesmo que isso implique enfrentar a resistência de uma sociedade que prefere ignorar essas verdades. Tal como a metáfora da cadeira, essas passagens nos lembram que defender o óbvio em tempos de distorção é um chamado à coragem moral.
Ambas as reflexões destacam que, em um ambiente saturado por desinformação e manipulação ideológica, a tarefa de dizer o óbvio se torna uma missão de conscientização coletiva. Trazer à tona a verdade que está em frente a nós – seja a necessidade de políticas públicas inclusivas ou a simples noção de que "a cadeira é azul" – é um desafio que exige esforço e coragem.
As bem-aventuranças nos lembram que, embora defender a verdade e a justiça possa levar a calúnias e perseguições, há uma promessa de consolo e recompensa para aqueles que persistem. Boulos nos convida a ser esses defensores, a dizer o óbvio, a ter fome e sede de justiça, mesmo quando o mundo ao nosso redor insiste em afirmar o contrário. Como na caneta azul que carrega a marca da letra de quem a usa, precisamos marcar nosso tempo com palavras e atitudes que reafirmem o evidente.
A justiça e a verdade não são apenas sonhos utópicos; elas são, ou deveriam ser, a base da convivência humana. Bem-aventurados são os que mantêm essa visão, pois deles é o Reino dos Céus – um lugar onde a verdade é respeitada e a justiça prevalece
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