Quando a Notícia Deixa de Ser Jornalismo

 


“Quando a palavra se vende, o silêncio governa.”
Fragmentos para uma genealogia da vida comum

A imagem acima, publicada em redes sociais sob o título “Suzano é homenageada pelo Tribunal de Contas entre as 25 cidades paulistas com melhor gestão efetiva”, circula como notícia. Mas, na verdade, trata-se de algo mais delicado — e mais perigoso: uma peça de propaganda travestida de jornalismo.

Nos últimos anos, tornou-se comum a confusão entre comunicação institucional e jornalismo. O poder político e econômico aprendeu a vestir suas mensagens com a forma da notícia, o que lhes confere aparência de neutralidade e verdade.
Mas quando uma manchete se constrói para celebrar o poder, e não para informar o público, o jornalismo deixa de cumprir seu papel essencial: o de garantir o direito das pessoas à verdade.

A ética jornalística nasce do compromisso com o interesse público. Quando uma comunicadora ou veículo se coloca a serviço de um governo, renuncia a essa função e contribui para o enfraquecimento da consciência crítica da sociedade.
O que deveria ser notícia torna-se narrativa de exaltação — e o povo, que deveria ser sujeito da informação, converte-se em espectador passivo de sua própria cidade.

Em Suzano, essa prática não é isolada. Ela se insere num contexto mais amplo de captura institucional e simbólica, já descrito nas Cartas Públicas à Sociedade Suzanense.
O mesmo sistema que controla contratos e cargos controla também o discurso.
E o faz com sutileza: trocando a investigação pelo elogio, a crítica pelo silêncio, o fato pela encenação.

O episódio da homenagem do Tribunal de Contas é emblemático. O órgão publica regularmente índices técnicos de gestão; mas o uso político dessas classificações, com fotos e legendas cuidadosamente montadas, serve mais à autopromoção do que à transparência. É uma tentativa de converter eventos protocolares em capital simbólico, criando a impressão de mérito onde há apenas rotina administrativa.

Por isso, não se trata apenas de um problema de forma — mas de essência.
A manipulação da aparência jornalística é uma violência contra o direito coletivo à informação verdadeira.
Ela distorce o olhar público e perpetua a lógica da dependência simbólica: a crença de que o poder é sempre benfeitor e que o cidadão deve apenas agradecer.

O jornalismo, quando fiel à sua vocação, é um ato de coragem cívica.
Quando se rende à propaganda, é um ato de submissão.
Entre esses dois polos, está o destino da palavra pública — e, com ela, o destino da própria cidade.

Que cada leitor, ao ver uma manchete como essa, se pergunte:
a quem serve esta notícia?
Porque o jornalismo, quando se torna servil, deixa de ser espelho da realidade para se tornar cortina de fumaça do poder.

 

Crédito da imagem: Reprodução / Programa Marilei Schiavi (uso para fins de crítica e comentário público).
Suzano, outubro de 2025.
Assinam: coletivos, cidadãs e cidadãos comprometidos com a ética pública, a comunicação livre e o direito à verdade.


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