O Óbvio, quem decide, decide a vida, estabelece o rumo.
Vivemos um tempo em que o capitalismo se esgotou. Cada vez que parece atingir sua forma mais sofisticada de dominação, revela o contrário: não amadurecimento, mas destruição; não progresso, mas guerra; não liberdade, mas usurpação. Os monopólios privados que se erguem como símbolos de poder não se contentam em acumular riquezas; precisam se apropriar de espaços de circulação, capturar os meios de comunicação, violentar as periferias do mundo e recomeçar sempre o mesmo ciclo: devastam, concentram, repartem entre si as sobras e recompõem uma minoria privilegiada, renovada dentro de uma elite conservadora e predatória. Hoje, o poder não se manifesta apenas no controle da fábrica ou da terra, mas sobretudo no domínio da circulação. Quem controla a ponte controla o destino. Quem decide o trânsito decide também a vida.
Mas
o monopólio não se mantém sozinho. Ele sobrevive porque é capaz de produzir
consenso, porque sabe persuadir, porque se apoia em instrumentos de propaganda
e construção de hegemonia. E quando o consenso não basta, recorre à coerção, ao
bloqueio, ao contrato exclusivo, à violência aberta ou velada. É nessa mistura
entre persuasão e opressão que o monopólio se perpetua. No entanto, toda vez
que uma força se concentra dessa forma, ela mesma gera a contradição que a pode
dissolver. Ao sufocar a pluralidade, alimenta a necessidade de ruptura. Ao
controlar o meio, expõe a dependência que o torna vulnerável.
É
neste ponto que a ideia socialista deixa de ser urgência circunstancial e se
revela como alternativa fundamental. Não há liberdade real onde os meios de
produção pertencem a poucos. Não há democracia efetiva onde a riqueza é
acumulada por uma elite que se renova com violência e exclusão. A propriedade
coletiva, longe de ser um obstáculo, é a condição para que a riqueza produzida
seja distribuída de modo equânime e para que os direitos civis não sejam
privilégio, mas prática cotidiana. Ao contrário do mito liberal, que confunde
propriedade privada com liberdade, é a socialização dos meios que abre o espaço
verdadeiro da cidadania. Quando a terra, a fábrica, o conhecimento e a
circulação pertencem ao conjunto da sociedade, é possível garantir não apenas
sustento, mas dignidade.
Hoje,
isso se mostra ainda mais evidente porque a técnica permite produzir muito mais
com muito menos. Menos terra, menos chão de fábrica, menos espaço físico. É
possível que uma família, ou mesmo uma pessoa, consiga ser relativamente
autossuficiente e, do seu lugar, partilhar o suficiente com os demais. O que
antes parecia escassez estrutural revela-se agora como abundância potencial. O
que antes dependia de grandes concentrações de terra e indústria, hoje pode
nascer de pequenas unidades articuladas em rede. Mas essa possibilidade
técnica, se não for acompanhada de uma transformação política, continuará a ser
capturada por monopólios privados. É preciso transformar a capacidade de
produzir abundância em prática de partilha.
E
aqui reside a novidade de nosso tempo: agir localmente já não significa
isolamento, mas interconexão. Pensar localmente e agir localmente pode produzir
efeitos que ressoam no mundo inteiro. Uma ação no território, quando conectada
em rede, passa a fazer parte da roda global de produção, manutenção e
circulação da vida. Não basta produzir no local, é preciso que esse local se
conecte, que dialogue, que se reconheça como parte de um todo. E não basta
conectar, é preciso que essa conexão seja pública, democrática, aberta, e não
propriedade de poucos que transformam redes em grades.
Do
mesmo modo, o desafio dos dados e da informação mostra a perversidade do modelo
atual. Não precisamos de enormes datacenters para guardar tudo como se a
informação fosse tesouro trancado. O que importa não é acumular dados, mas
garantir que eles transitem, que se conectem de modo seguro, que circulem
respeitando a privacidade e os direitos civis. O estratégico não é vigiar, é
compartilhar. O decisivo não é estocar, é conectar. No passado, precisávamos de
vastas áreas de terra para produzir alimento; hoje, precisamos replantar nossas
florestas, restaurar ecossistemas, reconciliar-nos com a natureza. Não basta
expandir monoculturas; é preciso regenerar o tecido vivo da Terra.
Dizer
que o socialismo é alternativa fundamental não é, portanto, uma palavra de
ordem abstrata, mas o reconhecimento de que as forças produtivas, os recursos
técnicos e os saberes sociais só poderão se realizar plenamente se forem
geridos coletivamente. A construção, manutenção e gestão da propriedade
coletiva não pode repetir os métodos padronizados do capitalismo. É preciso
mais. É preciso inventar normas, técnicas e saberes de gestão mais avançados,
mais transparentes, mais democráticos, mais eficazes. Não basta tomar os meios,
é preciso reinventar a forma de governar os meios. Não basta socializar a
riqueza, é preciso socializar também a gestão, a decisão, o poder.
Eis
o desafio do nosso tempo: transformar indignação em esperança, esperança em
projeto e projeto em prática coletiva. O capitalismo se esgotou, mas continua
se reinventando pela destruição. O socialismo se apresenta não como urgência
passageira, mas como alternativa fundamental, civilizacional. É preciso, sim,
socializar as pontes para que ninguém precise pagar pedágio ao atravessá-las. É
preciso girar a roda da vida em comum, para que o local e o global se encontrem
no mesmo movimento. É preciso replantar a floresta, para que a Terra respire
com o nosso futuro.
Não
basta denunciar; é preciso propor. Não basta propor; é preciso construir. Não
basta construir; é preciso sustentar. O socialismo é, ao mesmo tempo, razão que
organiza as contradições, afeto que move indignação e esperança, e símbolo que
nos guia com imagens de travessia, roda e regeneração. É esse o caminho que, de
minha parte, reconheço como o único capaz de nos devolver a liberdade, a
democracia e a vida.
Tem
Luta!
Sigamos!!
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