CARTA PÚBLICA À SOCIEDADE DE SUZANO
“A autoridade é justa quando serve ao bem comum. O poder só é legítimo quando nasce do dever de cuidar."
1.
Introdução: o sentido republicano da autoridade
O
papel da autoridade pública é essencial para garantir o equilíbrio no exercício
do poder e a efetividade do direito das pessoas. Cabe-lhe zelar pela harmonia
entre os Poderes, pela eficiência das funções de Estado e pela integridade das
instituições que asseguram a justiça, o bem comum e a continuidade das
políticas públicas.
Tal
responsabilidade não se limita à gestão técnica ou ao cumprimento formal de
atribuições: exige compromisso com os princípios republicanos, fidelidade aos
valores democráticos e uma vocação política enraizada na escuta, na
transparência e no serviço ao povo. Exercitar a autoridade, nesse sentido, é
reconhecer que todo poder só é legítimo quando se converte em dever — o dever
de proteger direitos, promover a igualdade e sustentar a esperança de uma
sociedade mais justa e solidária.
2.
O diálogo e os limites do poder
Todavia,
no exercício do poder, há sempre a divergência — expressão viva da pluralidade
humana — e com ela vem a disputa legítima de posições, a crítica necessária e a
coragem de ceder ao contraditório. É nesse diálogo entre convicções distintas
que se forma o espírito público, que o poder se humaniza e que a democracia
renova seu sentido. Ceder ao contraditório não é sinal de fraqueza, mas de
maturidade política; é reconhecer que a verdade republicana se constrói no
encontro entre diferenças, não na imposição de vontades.
Entre
os desafios permanentes da vida pública está a distinção — e a
complementaridade — entre o papel perene do servidor público e a função
comissionada da autoridade eleita ou nomeada. O primeiro assegura a
continuidade e a impessoalidade da máquina estatal; o segundo, a direção
política e o impulso transformador que traduzem a vontade popular. Ambos são
indispensáveis: o servidor, como guardião da legalidade e da eficiência; o
comissionado, como intérprete da soberania e dos projetos de governo. O
equilíbrio entre essas naturezas é o que preserva o Estado de excessos — sejam
eles de tecnocracia sem alma ou de política sem fundamento institucional.
3.
A governabilidade e a transparência como virtudes públicas
Um
elemento fundamental para a construção da direção política e o exercício
efetivo do poder é o poder de nomear gestores e assessorias técnicas
comprometidas com o projeto escolhido pela população. É também o poder de
articular, de influenciar e de construir entendimentos por meio do diálogo — a
capacidade de formar consensos e convergências sem renunciar à diversidade. Essa
é a arte de governar com o povo e não sobre o povo: fazer da palavra pública o
instrumento de uma ação transformadora, coerente com o pacto democrático que
nasce nas urnas e se renova no cotidiano da gestão.
Há,
contudo, uma linha tênue — e decisiva — entre o exercício legítimo do diálogo e
o gesto de influenciar direções. No convívio entre a autoridade política e o
corpo técnico da administração pública, essa fronteira deve ser tratada com
ética e respeito mútuo.
Ao servidor estável e profissionalizado não cabe a insubordinação, assim como à
autoridade eleita ou nomeada não cabe o assédio, a coerção ou a
instrumentalização pessoal do cargo.
A
maturidade republicana consiste justamente em reconhecer que a autoridade e o
servidor não se opõem: complementam-se. Um garante a continuidade do Estado; o
outro, a vitalidade da política. O poder, quando exercido com consciência
desses limites, deixa de ser domínio e torna-se serviço.
4.
Da captura institucional e do assédio político-administrativo
Em
cenários onde o poder se mantém por meio do medo e da chantagem institucional,
a autoridade pública deixa de ser expressão da soberania popular e passa a
operar como instrumento de dominação.
Em
municípios como Suzano (SP), a estrutura administrativa tem sido
utilizada para subjugar o funcionalismo e domesticar o Legislativo, por meio de
práticas reiteradas de assédio moral, coação e corrupção institucionalizada.
Vereadores
são cooptados mediante a oferta de cargos no Executivo ou em prestadoras de
serviços terceirizadas, enquanto trabalhadoras e trabalhadores, diante da
precariedade e da necessidade de sobrevivência, são constrangidos a se submeter
à lógica do poder estabelecido.
Esse
modelo, sustentado por redes de conveniadas e concessionárias — como ocorre no
caso da Organização Social de Saúde INTS, utilizada para expandir a
influência do governo sobre setores estratégicos —, cria um sistema de
controle político-administrativo que transforma o serviço público em moeda de
troca e o trabalho em instrumento de subordinação.
Trata-se
de um processo que viola frontalmente os princípios da administração pública, a
independência entre os poderes, a dignidade da pessoa trabalhadora e o próprio
direito republicano de participação política. A persistência desse mecanismo
gera a “inércia dinâmica” do poder: o movimento incessante da máquina estatal
sem sentido público, em que a energia da gestão é usada não para servir, mas
para subjugar.
5.
Da perpetuação no poder e seus riscos éticos
É
necessário compreender que a vontade de permanência em mandatos — seja no
Executivo, seja no Legislativo —, ainda que amparada pela legalidade, traz
consigo riscos éticos e políticos que não podem ser ignorados. No Executivo, a
reeleição é prerrogativa limitada; no Legislativo, a ausência de limite
temporal abre espaço para que o exercício do mandato se prolongue por décadas.
Essa
vontade de permanecer no poder e de manter a capacidade de influência, quando
não equilibrada pelo senso de responsabilidade e pelo princípio da alternância,
pode gerar assimetrias éticas, políticas, jurídicas e, em casos extremos, até
criminais. Por isso, a consciência do limite é parte essencial da virtude
republicana: o poder deve servir ao bem comum, e não à perpetuação pessoal de
quem o exerce.
Quando
essas assimetrias se tornam práticas contínuas — sustentadas pela formação
artificial de maiorias legislativas mediante o apoio econômico de
concessionárias de serviços públicos ou o controle indireto de entidades
conveniadas — instala-se o risco grave da captura institucional.
Tais
mecanismos corroem o princípio republicano, distorcem a finalidade do serviço
público e comprometem a confiança da população nas instituições.
Nesse contexto, o Estado entra em fadiga moral e funcional, e o corpo social
começa a reagir: cresce a insatisfação, emerge a consciência crítica e floresce
a mobilização popular que exige o restabelecimento da legalidade, da justiça e
da soberania cidadã.
6.
Da responsabilidade cidadã e do dever de luz pública
Nosso
papel, enquanto cidadãos que caminhamos no dia a dia da comunidade e cumprimos
nossa missão de apoiar a direção política e fortalecer as instituições, é
trazer à luz essas situações concretas que corroem a confiança pública e
ameaçam o sentido republicano do poder.
É
dever de toda pessoa consciente — seja servidor, representante ou membro da
sociedade civil — denunciar e enfrentar tais práticas, para que o Estado volte
a cumprir sua função essencial: garantir o direito das pessoas, a harmonia
entre os poderes e a eficiência das funções que permitem ao Estado cumprir seu
dever de alta relevância e de compromisso com os princípios republicanos, os
valores democráticos e a vocação política.
Somente
quando a verdade se torna pública, o medo se dissipa e a política reencontra
sua vocação original — servir ao comum, sustentar a dignidade humana e renovar
a democracia.
Suzano,
São Paulo – outubro de 2025
Assinam
esta Carta Pública:
Coletivos, cidadãos, servidores, conselheiros
e entidades comprometidas com a ética republicana, a democracia participativa e
a defesa da vida pública em Suzano e no Alto Tietê.
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