Michel Siffre: O homem que desceu à escuridão para medir o tempo
Em 1972, o cientista e espeleólogo francês Michel Siffre decidiu repetir — de forma ainda mais radical — uma experiência que já havia conduzido dez anos antes. Ele se trancou numa caverna a cerca de 440 pés de profundidade, isolado por 180 dias, sem luz solar, sem relógio e sem contato humano direto. O objetivo não era resistência física, mas investigação: compreender como o corpo e a mente regulam a percepção do tempo na ausência de qualquer referência externa.
Siffre,
formado em geologia e apaixonado pela psicologia do tempo, acreditava que a
chave para entender aspectos profundos da nossa natureza estava na relação
entre o relógio biológico e o ambiente. Ao eliminar os marcadores habituais —
nascer e pôr do sol, horários de refeições, vozes, sons da vida urbana — ele
pretendia observar o funcionamento “nu” do ciclo humano de sono e vigília.
O
método e a experiência
Nos
primeiros dias, tentou manter uma rotina guiando-se apenas por sinais internos,
como fome e sono. Mas, sem luz nem instrumentos de medida, a sua noção
subjetiva de tempo começou a se distorcer. Relatos posteriores indicam que
horas podiam parecer minutos e que dias se fundiam num fluxo indistinto. Esse
efeito é consistente com o que a ciência chama de dilatação temporal
subjetiva.
Durante
o experimento, Siffre não tinha noção de que o seu ciclo biológico havia se
alterado de forma significativa. Registros feitos por sua equipe na superfície
mostraram que, por longos períodos, ele chegava a permanecer cerca de 36 horas
acordado, seguidas de 12 horas de sono — um ritmo diferente das aproximadamente
24 horas que marcam a vida humana sincronizada ao sol. Esse dado teve forte
repercussão entre cronobiólogos, pois confirmava que o “relógio interno” é
capaz de estabelecer ritmos próprios, independentes da luz solar.
Impactos
psicológicos
Parte
dos relatos de Siffre sobre aquele período descreve efeitos emocionais e
cognitivos que iam de esquecimentos e falhas de concentração a oscilações
bruscas de humor. Ele contou ter falado com insetos para amenizar o isolamento
e, em certos momentos, sentir como se houvesse outra presença na caverna —
fenômenos que podem ser interpretados como alucinações auditivas e visuais
induzidas pelo confinamento extremo.
Com
o avanço das semanas, o silêncio e a escuridão se tornaram elementos centrais
da experiência. Siffre descreveu mais tarde essa fase como “uma noite sem fim”
e comparou o processo a “um deslize lento para a loucura”. Essas expressões são
interpretativas e refletem a percepção subjetiva do próprio pesquisador.
O
desfecho e o legado
Quando
finalmente emergiu da caverna, descobriu que haviam se passado 180 dias — mas,
segundo sua contagem interna, apenas 151. Essa diferença ilustrou de forma
dramática como, sem âncoras externas, o tempo deixa de ser um fluxo uniforme e
passa a ser construído pelo próprio cérebro.
As
consequências físicas e cognitivas foram duradouras; Siffre relatou
dificuldades de memória e concentração que, segundo ele, persistiram por anos.
Ainda assim, continuou realizando estudos semelhantes, incluindo um notório
experimento em 2000, aos 60 anos, para avaliar o impacto do envelhecimento
sobre a percepção do tempo.
Seu
trabalho influenciou áreas que vão da medicina do sono às pesquisas espaciais,
ajudando a projetar protocolos para missões de longa duração em isolamento,
como as realizadas em estações polares e, futuramente, em viagens a Marte. Mais
do que uma curiosidade científica, sua história serve como alerta sobre a
fragilidade da mente humana em ambientes extremos — e como o tempo, sem o mundo
lá fora, pode se tornar algo maleável, estranho e até perigoso.
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