Postagens

“O silêncio como política: a estética da ordem em Suzano”

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A postagem publicada pelo Diário de Suzano sobre o encontro do vereador Adilson Horse com representantes da Prefeitura parece, num primeiro olhar, apenas relatar uma ação rotineira de segurança pública. Contudo, à luz da Geometria dos Saberes , o enunciado ganha densidade simbólica: mais do que uma notícia, é uma narrativa de poder , em que o silêncio é construído como virtude e a ordem como estética moral. Aqui o saber da autoridade aparece na forma do jargão administrativo — “ações integradas”, “departamento”, “fiscalização”. O uso da linguagem técnica confere legitimidade e neutraliza o debate, transformando uma questão social complexa (convivência urbana, lazer, ruído, juventude) em problema operacional. A ciência se reduz à norma: o saber técnico se converte em ferramenta de disciplinamento. Uma filosofia que se manifesta na ideia subjacente de que “sossego” é o bem supremo da cidade. A filosofia da ordem substitui a filosofia da convivência. O conflito — motor da democraci...

O Plebeu e a Esquerda Online: dois olhos em uma mesma face

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“Não há visão sem diferença: ver é unir o que se distingue.” — Paul Ricoeur Há momentos em que a história nos pede olhos duplos. Um para ver o horizonte e outro para enxergar o chão. A nomeação de Guilherme Boulos para a Secretaria-Geral da Presidência da República é um desses momentos — em que a esperança e a cautela, o sonho e a estratégia, precisam aprender a ver juntos. De um lado, o Plebêu enxergou o gesto como um sopro de reconciliação entre Estado e Comum — uma chance de o poder popular entrar pela porta da frente do Palácio e ensinar o Estado a respirar o povo. De outro, o Esquerda Online advertiu com lucidez: toda aproximação entre governo e movimento social carrega o risco de cooptação e acomodação. Ambos têm razão. E é precisamente na tensão entre essas duas razões que nasce o campo fértil da política viva. Entre a esperança e a prudência O Plebêu fala a língua do desejo histórico: vê na nomeação um gesto simbólico de refundação, uma tentativa de transformar o...

Entre o Estado e o Comum: Boulos, Lula e a dialética do poder popular

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Há gestos que dizem mais que palavras. A nomeação de Guilherme Boulos para a Secretaria-Geral da Presidência da República é um desses momentos em que o tempo histórico se condensa num ato político. O líder que nasceu das ocupações urbanas chega agora ao coração do governo — e o que parece mera troca de cargos revela, sob a superfície, um movimento de fundo: o reencontro entre o Estado e o povo. Desde o início do terceiro governo Lula, a esquerda vive um dilema que é, antes de tudo, dialético . Para governar, é preciso conciliar forças diversas — o centro institucional, os setores econômicos, as alianças parlamentares. Mas para transformar, é preciso manter acesa a chama popular que lhe deu origem. Entre a necessidade de governabilidade e o desejo de transformação, o governo caminha sobre a corda bamba do possível. A nomeação de Boulos é a tentativa de equilibrar novamente essa tensão , trazendo de volta para o Planalto a pulsação das ruas. O novo ministro não é um nome qualquer. ...

O fetiche do rombo e a liturgia da culpa

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Há notícias que não informam — consagram. A manchete da CNN sobre o “rombo histórico das estatais” é uma dessas peças raras em que o jornalismo de dados se traveste de sermão. Números, percentuais e gráficos aparecem como relíquias de fé, exibidos para confirmar o dogma de que o mercado é a medida do real. O Estado, reduzido a corpo pecador, deve purgar seus gastos até reencontrar a graça fiscal. O leitor é convidado a se ajoelhar diante de um altar contábil. O déficit vira pecado, e o ajuste, penitência. Nenhuma contextualização histórica ou estrutural — como o impacto internacional do preço do petróleo, das guerras ou da política de juros — é oferecida. O dado é absoluto, o número fala por si, o veredito já está dado. A ciência deixa de ser investigação e se transforma em oráculo. Por trás da linguagem técnica esconde-se uma moral antiga: a crença de que governar bem é gastar pouco, e que investir no social é ceder à tentação. O discurso do “rombo” não é neutro; é narrativa de po...

Entre urnas e algoritmos: o sentido de votar no século das máquinas

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O Brasil aprendeu a votar antes de aprender a confiar. A cada eleição, repetimos o rito: filas, cabines, urna, boletim. Tudo parece funcionar, mas algo se move no subterrâneo — uma mistura de cansaço e desconfiança. A tecnologia evoluiu, os sistemas se sofisticaram, e mesmo assim o sentimento de pertencimento parece diminuir. Votamos muito, mas participamos pouco. Nos bastidores do processo eleitoral, há uma rede de atores e forças que moldam o que chamamos de democracia: a Justiça Eleitoral, os partidos, as candidaturas, o Ministério Público, a imprensa, as plataformas digitais, os financiadores, as comunidades, os eleitores. Todos coexistem em tensão — disputando não apenas votos, mas atenção, linguagem e verdade . O coração do sistema, a Justiça Eleitoral, carrega uma virtude rara: é tecnicamente sólida, exemplar em transparência e eficiência. Mas há algo que ela ainda não alcança sozinha — o imaginário coletivo . A confiança não nasce apenas da técnica; nasce da compreensão. E...

A Geometria da Propaganda: o uso político do IEG-M e a deformação do saber público

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  “Toda vez que o poder usa o espelho da imprensa para se admirar, o povo desaparece da imagem.” A manchete de capa do Diário de Suzano , estampando a frase “TCE reconhece Suzano entre as 25 cidades de SP com melhor gestão efetiva” , oferece uma oportunidade preciosa — e preocupante — de reflexão. Não se trata apenas de uma notícia. É um ato simbólico de poder , em que a forma jornalística e a presença institucional se fundem num mesmo gesto de autoafirmação política. Na fotografia, o prefeito divide o enquadramento com o presidente da Assembleia Legislativa, o governador do Estado e membros do Tribunal de Contas. A composição visual, emoldurada por bandeiras e cortinas vermelhas, encena uma liturgia do prestígio público . Mas por trás do cerimonial, há uma questão epistemológica central: quando o Estado se fotografa a si mesmo como virtude, o conhecimento público é substituído por imagem — e o jornalismo por testemunho de fé.   I. O fato e sua metamorfose simból...

Quando a Análise Vira Diálogo: o Blog em Conversa com a Cidade

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Há momentos em que o pensamento deixa o papel e ganha voz no mundo. Foi o que aconteceu recentemente, quando um dos textos publicados em nosso blog — Análise Epistemológica da Notícia — atravessou as fronteiras da tela e se tornou tema de debate entre leitores atentos. Tudo começou com a constatação simples, porém grave: a manipulação da notícia travestida de jornalismo. Um leitor, ciente da sutileza desse jogo, escreveu: “Embora não seja mentira, isso passa de uma simples informação, que é pública, para uma propaganda. Isso é um método. Infelizmente os jornais locais para sobreviverem se prestam a esse papel.” Essa frase poderia muito bem servir de epígrafe para toda uma época. Reconhecer que há método na manipulação é reconhecer que o discurso — quando destituído de ética — torna-se instrumento de poder. É perceber que a notícia, antes espelho da realidade, pode ser usada como cortina. A resposta, publicada ali mesmo na conversa, tentou recolocar a razão e o afeto no mesmo c...