O desmonte do Hospital Auxiliar de Suzano e o jogo político que ameaça a saúde pública regional
O que está em curso em Suzano não é um simples desvio de
função de um hospital. É um processo silencioso, cuidadosamente embalado em
discursos publicitários, que desorganiza a rede de saúde, desinforma a
população e destrói um equipamento histórico essencial ao sistema estadual: o Hospital
Auxiliar de Suzano (HAS).
O papel estratégico do HAS dentro do SUS
O HAS foi concebido como unidade de retaguarda vinculada
ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, fazendo parte de
uma rede articulada de atenção à saúde de alta complexidade. Com cerca de 200
leitos e uma equipe multidisciplinar especializada, sua missão sempre foi
clara: oferecer cuidados prolongados, reabilitação, cuidados paliativos e
atenção clínica contínua a pacientes que já superaram a fase aguda, mas que
ainda precisam de suporte técnico especializado.
Essa função permite que hospitais de grande porte, como o
próprio HC, mantenham seus leitos disponíveis para casos graves e urgentes. O
HAS nunca foi pronto-socorro. Nunca foi ambulatório. Sempre foi um pilar da
retaguarda hospitalar — base do equilíbrio da rede pública de saúde.
A cortina de fumaça: quando se desvia o foco para
esconder o atraso
Enquanto o sistema de saúde básico da cidade enfrenta
dificuldades reais e crônicas, um novo hospital — que deveria suprir a demanda
por atendimentos de média complexidade — permanece em obras há quase duas
décadas, mesmo tendo recebido recursos federais e estando sob
responsabilidade da administração municipal.
Diante dessa paralisia, autoridades locais optaram por uma
saída política de curto prazo: lançar mão de uma forte campanha de
comunicação para defender a abertura do HAS ao atendimento generalista da
população, transformando um hospital especializado em uma espécie de
pronto-atendimento improvisado.
Trata-se de uma cortina de fumaça que desvia a atenção
daquilo que realmente importa: a necessidade de estruturar e qualificar a
atenção básica e média complexidade, sem comprometer um equipamento que cumpre
papel estratégico na saúde pública paulista.
Uma escolha tecnicamente equivocada e politicamente
oportunista
Transformar o HAS em unidade de "portas abertas" é
uma decisão que fere princípios técnicos do SUS, ignora a lógica da
regionalização da saúde e desrespeita os profissionais que atuam no hospital.
A mudança não está orientada por diagnósticos, dados ou avaliações do sistema.
Está orientada por uma lógica de improviso político que pode custar caro à
população.
Pior: tudo isso acontece sem debate público, sem consulta
popular, sem diálogo com os conselhos de saúde e sem o devido envolvimento da
sociedade civil. O processo avança na surdina, enquanto se constrói a
narrativa de que se está “ampliando” o acesso à saúde. Na prática, porém,
desestrutura-se a base de sustentação do sistema hospitalar regional.
Conclusão: saúde pública exige planejamento, não
propaganda
O SUS é uma das maiores conquistas sociais do povo
brasileiro. Mas para continuar existindo como sistema universal, gratuito e de
qualidade, precisa ser defendido também em suas engrenagens menos visíveis —
como a retaguarda hospitalar.
Retaguarda não é sobra. Retaguarda é base.
E base não pode ser desmontada para encobrir erros de gestão ou justificar
promessas não cumpridas.
O Hospital Auxiliar de Suzano é um patrimônio da saúde
pública paulista. Sua função deve ser fortalecida — não desfigurada.
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