Democracia e Participação Popular




 Por MIRIAM DE OLIVEIRA SANTOS
Mestre em Ciência Política pela UFRGS - Doutoranda em Antropologia Social pelo Museu Nacional/UFRJ. Pesquisadora Associada do NIEM-RJ


Por muito tempo acreditou-se que falar em democracia e em participação popular era a mesma coisa. Democracia era o governo “do povo, pelo povo e para o povo”, portanto um governo em que o povo participaria ativamente. Tal era a filosofia da democracia liberal, que pregava a igualdade e universalidade da democracia. Se todos eram “livres e iguais”, havia democracia. Atualmente começamos a encontrar críticas a este pensamento como por exemplo em Young que afirma:
A teoria política moderna afirmou o valor moral igual de todas as pessoas, e movimentos sociais do oprimido levaram seriamente isto como implicando a inclusão de todas as pessoas no estado de cidadania debaixo da proteção igual da lei.
Cidadania para cada um, e todo o mundo com o mesmo status quo. Teorias políticas modernas assumiram que a universalidade da cidadania no sentido de cidadania para tudo implica no sentido que cidadania transcende particularidade e diferença. (. . .) A universalidade da cidadania no sentido da inclusão e participação de todo mundo, está em tensão com os outros dois significados de universalidade embutidos em idéias políticas modernas: universalidade como generalidade, e universalidade como tratamento igual. (YOUNG, 1995)
Está ai o cerne do problema do qual gostaríamos de tratar neste artigo: as pessoas não são iguais e não tem formas de participação igualitárias, mesmo quando todos tem acesso ao voto, não o tem igualmente às informações sobre os candidatos e a capacidade de reflexão sobre a maneira como as propostas de cada um irão afetar sua vida cotidiana.
Na conclusão de uma aula inaugural na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM ) Tarso Genro expõe que:
Creio que a principal conquista democrática da revolução burguesa, (...) foi a separação da estrutura formal do Estado com a sociedade, uma separação fundamental para a afirmação das grandes democracias modernas.  É necessário hoje, que reforcemos esta separação, reforcemos pela conferência de identidade pública clara e transparente àquilo que é Estado e aquilo que é sociedade. E para conferir identidade pública à sociedade, tem ela que estar estruturada e organizada, para dialogar com o Estado e referir-se a ele enquanto sociedade civil e criar uma esfera pública não-estatal, onde Estado e sociedade estabeleçam seus conflitos, seus conceitos, seus consensos e gerem, a partir daí, decisões que combinem a legitimidade da representação política tradicional com a participação direta e voluntária da cidadania. (GENRO, 1997, p.18 )
Apesar de não se referir diretamente a ele, percebe-se claramente que neste trecho Tarso Genro estava se referindo ao orçamento participativo. Realmente é uma grande conquista a criação de uma sociedade civil que busque dialogar com o estado para ver atendidas as suas reivindicações, mas como nos lembra o texto de Young, com o qual iniciamos este artigo, as pessoas não são iguais, tem diferentes demandas, diferente capacidade de articulação e diferentes chances de serem atendidas.
Segundo Balandier o termo “político” comporta várias acepções. Os termos policy e politics, significariam respectivamente os tipos de ação que concorrem para a direção dos negócios públicos e as estratégias que resultam da competição dos indivíduos e dos grupos. Neste caso estariam as duas pontas do orçamento participativo, o governo enquanto policy, determinando em última instância a direção dos negócios públicos e a população desenvolvendo politics, isto é, estratégias que resultam da competição dos indivíduos e dos grupos.
Neste sentido, os grupos melhor articulados, estariam mais propensos a conseguir se fazer ouvir, e sendo o orçamento como um cobertor curto que todos puxam, estes grupos teriam maiores condições de serem atendidos que outros menos articulados.
Acredito que para resolver o problema é hora de dar um passo além no orçamento participativo e tratar desigualmente os desiguais. Como? Reconhecendo que para dar a todos a oportunidade de falar e de participar com proveito das reuniões do Orçamento Participativo é necessário capacitá-los antes. [1] È necessário que se trabalhe com estas comunidades, especialmente com aquelas mais pobres onde não há um movimento organizado. Sabemos que tal tarefa não é fácil, já que nestas comunidades falta tudo, inclusive tempo para participar de movimentos comunitários, já que todo o tempo disponível é investido na sobrevivência, e quando há uma melhora significativa por parte de algum membro desta comunidade, sua primeira providência é mudar-se para outra que apresente melhores condições de vida.
Uma das possibilidades para alterar este quadro é o que já vem fazendo as ONGs e os movimentos organizados da cidade de Porto Alegre através de projetos de capacitação [2] , a hora agora é de aproveitar a avaliação que tais organizações vem fazendo do trabalho e procurar adequar os horários (com aulas aos sábados, domingos ou feriados) e métodos, (Paulo Freire e o grupo do IDAC, afirmam em um belíssimo livro “Vivendo e Aprendendo”, que é necessário buscar novos meios de ensino, de modo que eles consigam atingir a diferentes públicos: Pode-se ensinar através da música, da dança, do teatro, do cinema, do desenho de humor. Não é uma tarefa fácil, mas, como diz o poeta: “Não há caminho, o caminho se faz ao caminhar.”

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